sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

melancolia cor de rosa

À avó que chamávamos de Îde.



“Aqui jazo, jovem”, me declara a nostalgia. À ela cheira a casa que há pouco foi apresentada também ao hálito tétrico de um adeus definitivo. Soa lúgubre, mas essa não é a intenção. Na realidade a atmosfera da casa que é agora órfã da matriarca é repleta por uma melancolia cor de rosa. “Um jeito romântico de ficar triste”. Como o sossego que sucede uma chuva forte e deixa no ar o aroma de terra molhada e do sigilo de uma família que se encontra numa magoada poça de alívio. Ou ainda o silêncio que precede a tempestade silenciosa de neve que atapeta as calçadas e sufoca nossas angústias.  Da doença antiga resultara apenas um sopro de vida e a previsão de um fim cedo do qual todos estavam avisados. Agora ficamos perdidos em fotografias de há uma infância atrás, achando sussurros de memórias passadas. Encontrando inusitadamente elementos que o tempo consumiu e cuja falta faz o mundo parecer um lugar mais alheio e menos original: Os verões campestres a cavalo, a criatividade inocente e marginal, o valor dado ao simples, a apreciação do ócio, os acasos que reuniam quem hoje não encontra reconciliação. A inexistência de dores de cabeça, a inércia emocional, a ignorância espontânea. Lembranças que me fazem desconsiderar o agora, e similares as quais outras terei quando for adulto e me lembrar da época distante que vivo atualmente. Nesse carrossel da nossa existência, presos numa nostalgia cíclica, choramos presentemente insatisfeitos as lágrimas da vida. Talvez o princípio seja de fato a melhor fase dela por não haver antes nada do que possamos nos lembrar. Durante o seu decorrer perdemos alguns, ganhamos outros, permanece apenas o espírito da família que há muitos anos atrás foi criada por quem hoje é velho e carrega nas rugas o nascimento dos filhos, a infância dos netos, o desprazer dos cônjuges. Os sofrimentos da estirpe, os seus próprios e os pêsames da aliança que proveio do esposo um velho feliz, dono hoje da saudosa noção de que a vida segue e tem de ser seguida.

domingo, 4 de dezembro de 2011

escrevo, por que mulheres

Às mulheres:

Concordo quando dizem que nosso blog tem um tom epifânico. Na verdade é uma das coisas que mais admiro em nossas palavras. Mas o que percebi ultimamente é que temos nesse incrível canal de comunicação uma deficiência de textos que tratam de uma particular área dos assuntos do coração: a mais vulnerável ao exterior, a que responsabiliza-se por pertencer a outra pessoa que não a nós mesmos e por todas as consequências que sejam acarretadas por esse ato. A que foge ao nosso domínio. Acredito que Caio e eu muitas vezes deixamos inconscientemente de discursar sobre o assunto. Pois deu-me vontade de fazê-lo. Epifanicamente me gritou a ideia de que muitas vezes é esse o maior mistério nosso, aquele que nos faz obedecer o irracional. Talvez a razão pela falta de comodidade para tratar do assunto seja justamente o quão levianos somos a elas, mulheres. Frágeis. Submissos. Sujeito-me a quaisquer atormentações, dores e nostalgias pelos breves eternos momentos nossos. Pela certeza, quando se acha certeza em uma delas, de lealdade e dedicação. Mulheres que nos afagam, que nos protegem, nos sorriem. Nos insuflam o ego, nos mantêm seus, e que de um infinito delas fazem nossos sonhos. Mudam nossas ideias e ideais. Nos põe em conflito com nos mesmos, com nossos juízos. Que me fazem amar me apaixonar. Porque até agora não há nesse mundo nada igual ao olhar de uma mulher no qual me vejo amado. No qual me vejo amando. Me vejo voltando à elas todas as minhas atenções, todos os meus pensamentos. Me vejo sorrindo por elas. E chorando por elas. Descobrindo juntos as estruturas do amar, do odiar, dos ciúmes. Compartilhando decepções, expectativas, contatos. Mulheres que me permitem entender, citando agora García Marquez, por que os homens têm medo da morte. Não só por que têm medo da morte, mas também por que pintam, por que compõem, por que constroem. Por que escrevem: mulheres, por que “não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar“, por que “amor é ter com quem nos mata lealdade“, por que “as mais lindas palavras de amor são ditas no silêncio de um olhar“, por que “não amo bastante ou demais a mim“, por que são “a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois“. Que fazem o “meu coração vagabundo querer guardar o mundo em mim“. Querer guardar nossos instantes, nossos segredos, nossas intimidades, nossa escorregadia realidade capturada pelos sentimentos que carecem do valor da palavra escrita. Guardar a ilusão verossímil em que vivemos, vedada ao gosto do afeto violento que acre-adoça o meu coração.