sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

melancolia cor de rosa

À avó que chamávamos de Îde.



“Aqui jazo, jovem”, me declara a nostalgia. À ela cheira a casa que há pouco foi apresentada também ao hálito tétrico de um adeus definitivo. Soa lúgubre, mas essa não é a intenção. Na realidade a atmosfera da casa que é agora órfã da matriarca é repleta por uma melancolia cor de rosa. “Um jeito romântico de ficar triste”. Como o sossego que sucede uma chuva forte e deixa no ar o aroma de terra molhada e do sigilo de uma família que se encontra numa magoada poça de alívio. Ou ainda o silêncio que precede a tempestade silenciosa de neve que atapeta as calçadas e sufoca nossas angústias.  Da doença antiga resultara apenas um sopro de vida e a previsão de um fim cedo do qual todos estavam avisados. Agora ficamos perdidos em fotografias de há uma infância atrás, achando sussurros de memórias passadas. Encontrando inusitadamente elementos que o tempo consumiu e cuja falta faz o mundo parecer um lugar mais alheio e menos original: Os verões campestres a cavalo, a criatividade inocente e marginal, o valor dado ao simples, a apreciação do ócio, os acasos que reuniam quem hoje não encontra reconciliação. A inexistência de dores de cabeça, a inércia emocional, a ignorância espontânea. Lembranças que me fazem desconsiderar o agora, e similares as quais outras terei quando for adulto e me lembrar da época distante que vivo atualmente. Nesse carrossel da nossa existência, presos numa nostalgia cíclica, choramos presentemente insatisfeitos as lágrimas da vida. Talvez o princípio seja de fato a melhor fase dela por não haver antes nada do que possamos nos lembrar. Durante o seu decorrer perdemos alguns, ganhamos outros, permanece apenas o espírito da família que há muitos anos atrás foi criada por quem hoje é velho e carrega nas rugas o nascimento dos filhos, a infância dos netos, o desprazer dos cônjuges. Os sofrimentos da estirpe, os seus próprios e os pêsames da aliança que proveio do esposo um velho feliz, dono hoje da saudosa noção de que a vida segue e tem de ser seguida.

domingo, 4 de dezembro de 2011

escrevo, por que mulheres

Às mulheres:

Concordo quando dizem que nosso blog tem um tom epifânico. Na verdade é uma das coisas que mais admiro em nossas palavras. Mas o que percebi ultimamente é que temos nesse incrível canal de comunicação uma deficiência de textos que tratam de uma particular área dos assuntos do coração: a mais vulnerável ao exterior, a que responsabiliza-se por pertencer a outra pessoa que não a nós mesmos e por todas as consequências que sejam acarretadas por esse ato. A que foge ao nosso domínio. Acredito que Caio e eu muitas vezes deixamos inconscientemente de discursar sobre o assunto. Pois deu-me vontade de fazê-lo. Epifanicamente me gritou a ideia de que muitas vezes é esse o maior mistério nosso, aquele que nos faz obedecer o irracional. Talvez a razão pela falta de comodidade para tratar do assunto seja justamente o quão levianos somos a elas, mulheres. Frágeis. Submissos. Sujeito-me a quaisquer atormentações, dores e nostalgias pelos breves eternos momentos nossos. Pela certeza, quando se acha certeza em uma delas, de lealdade e dedicação. Mulheres que nos afagam, que nos protegem, nos sorriem. Nos insuflam o ego, nos mantêm seus, e que de um infinito delas fazem nossos sonhos. Mudam nossas ideias e ideais. Nos põe em conflito com nos mesmos, com nossos juízos. Que me fazem amar me apaixonar. Porque até agora não há nesse mundo nada igual ao olhar de uma mulher no qual me vejo amado. No qual me vejo amando. Me vejo voltando à elas todas as minhas atenções, todos os meus pensamentos. Me vejo sorrindo por elas. E chorando por elas. Descobrindo juntos as estruturas do amar, do odiar, dos ciúmes. Compartilhando decepções, expectativas, contatos. Mulheres que me permitem entender, citando agora García Marquez, por que os homens têm medo da morte. Não só por que têm medo da morte, mas também por que pintam, por que compõem, por que constroem. Por que escrevem: mulheres, por que “não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar“, por que “amor é ter com quem nos mata lealdade“, por que “as mais lindas palavras de amor são ditas no silêncio de um olhar“, por que “não amo bastante ou demais a mim“, por que são “a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois“. Que fazem o “meu coração vagabundo querer guardar o mundo em mim“. Querer guardar nossos instantes, nossos segredos, nossas intimidades, nossa escorregadia realidade capturada pelos sentimentos que carecem do valor da palavra escrita. Guardar a ilusão verossímil em que vivemos, vedada ao gosto do afeto violento que acre-adoça o meu coração.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Rentabilidade do Conhecimento

A Edgar Lyra, quem me narrou à minha paixão.


Millôr Fernandes era cético e afirmou certa vez sobre esse estilo de vida: “Vocês não sabem como é divertido o absoluto ceticismo. Pode-se brincar com a hipocrisia alheia como quem brinca com a roleta russa com a certeza de que a arma está descarregada.”

Brinquei hoje, em silêncio, pois apesar de ser também fã do ceticismo, não o sou dos alvoroços, de roleta russa com a parvoíce de minhas “peer conselours“, que estão aparentemente a minha inteira disposição para me ajudar a impor a mim mesmo metas e meios pelos quais a elas devo chegar com o propósito de facilitar a melhora de minhas habilidades. Durante duas horas escutei dois membros do corpo docente da mais prestigiada instituição de ensino na área de hospitalidade no mundo me aconselharem (como o próprio termo em inglês propõe) a como eu devo estabelecer feições exatas da minha personalidade que devo manter bem desenvolvidas, se for esse o caso, ou que devo melhorar, se elas não suficientemente desenvolvidas forem. Ouvi discursarem como é essencial, tanto em nossas vidas profissionais quanto pessoais, que progridamos rumo a um ideal, um profissional mais completo, mais cabal, visando a um maior sucesso em futuras relações empresariais com um possível maior lucro. Tudo isso feito por meio de um software de computador, um programa no qual encontram-se diversos formulário que devemos preencher da forma mais fiel possível para que o sistema possa, da forma mais adequada, nos guiar por nossa auto-evolução. Assisti duas mulheres mais velhas que eu, certamente muito bem academicamente formadas, me apresentarem esse método, que é agora testado pela primeira vez na Europa, e me senti acanhado pela ideia de que as considerava inteiramente ingénuas e pelo fato de não ter sido prestígio, mas sim ilusão, o que vi no projeto. Senti saudades de minhas aulas de filosofia e da admiração que sentia pelo mestre que as ministrava. “As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras”, disse uma vez meu então (e eterno) projeto predileto, Nietzche, expressando de modo tão magistral - o que também tento exaustivamente fazer - o que agora quero dizer. Contristou-me a lembrança dos sopros de genialidade aos quais éramos expostos durante as sessões nas quais não éramos ensinados a como equalizar o próprio aperfeiçoamento através de uma máquina, mas sim cultivados pela investigação das grandes causas e dos grandes efeitos, pelo questionamento de primazia de nossa razão e da validade de nossas crenças e do nosso conhecimento, pelo amor ao saber. Nas quais éramos aduzidos aos verdadeiros problemas da imparidade humana, da prudência de nossa identidade, da reflexão sobre os mecanismos do amor, da inconstância da felicidade, da meditação sobre a possível irresolução da Verdade. Me ocorreu então que, de fato, o que de mais magnífico que poderíamos possuir naquilo que conhecemos agora como nossa curta existência é justamente aquilo que de nós nunca pode ser tomado: nosso saber. Me senti então verdadeiramente prestigiado. Prestigiado por saber daquilo que hoje sei, e por saber que disso saberei para o resto da minha vida. Por saber da minha paixão pela filosofia e suas entranhas, e por saber que é dela a maior rentabilidade que terei como profissional e como cidadão: terei sempre o lucro de poder sentir, de poder compreender e de poder criar. Terei o eterno lucro de viver. Isso para mim é prestígio.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

From Switzerland

Desculpem pela demora e também pelo texto se esse estiver ruim. Me faz faltam a língua mãe e tempo.


Para aqueles que falam inglês:

http://www.youtube.com/watch?v=f_qhdPflUb8&feature=results_main&playnext=1&list=PL853B97E60C748A46

Para os que não, o vídeo mostra basicamente a autora de “Comer Rezar Amar“, Elizabeth Gilbert, descrevendo o “dilema do porco-espinho“ de Arthur Schopenhauer, que trata dos desafios da intimidade humana. Quando um grupo de porcos-espinhos, durante o frio, procura calor aproximando-se uns dos outros, eles se ferem com seus espinhos e não podem continuar juntos. Logo, se afastam. Mas sentem frio novamente, e, mais uma vez, se aproximam sem conseguir evitar a dor que causam aos outros de sua espécie. “Essa dança de intimidade“, como descreve a autora, mostra analogicamente a inevitabilidade da ocorrência de dano a ambas as partes que dela partilham, mas que relevam essa dor quando se encontram novamente sós. Aqueles que são capazes de geram o próprio calor, conseguem manter uma distância segura dos outros, o que não necessariamente significa viver uma vida de introversão ou isolação. Moderação é recomendada nos relacionamentos tanto para o melhor de si mesmo, quanto para o dos outros.

Soa fácil. No entanto acho que o destino da maioria dos seres humanos é ser espetado até a morte. Achar um equilíbrio nesse sentido é, muitas vezes, impossível. Acredito que somos tão atraídos pelo calor citado acima, que não levamos nada em conta senão o conforto que a proximidade nos oferece. Conforto o qual, como mostrado por Schopenhauer, se torna inevitavelmente em mágoa em algum momento. Criar um espaço de independência emocional é sem dúvida o jeito mais fácil de ser feliz. O certo (e também o difícil) é aceitar esse espaço como um intervalo necessário, e não como isolamento. Recentemente senti na pele a ignorância humana com relação a esse assunto. Embebido no aconchego da família e dos amigos, pelos quais fui espetado e os quais espetei durante meus dezoito anos de vida, senti o baque da solidão assim que pisei na sala de embarque do voo que me levaria para longe de todo o meu suporte e apoio que me proviam de asilo até então. Antes daquele momento, sem viver de fato apartado de todo esse amparo, não havia ainda compreendido o quão determinante no equilíbrio emocional de uma pessoa é a familiaridade. Fui abatido e abatido fiquei por alguns poucos dias que naquela situação me prostraram como meses prostrariam normalmente. Montei a incerteza sem escora e quase caí do cavalo. Assim como todos nós quase caímos ou quase cairemos uma vez na vida, todos por não possuir a sela apropriada. Com o tempo se estabiliza o animal. Faz-se novas amizades, vê-se que não se perderá as antigas. Encontra-se novos sustentos, mantêm-se também os velhos. Se reafirma a rotina, se confirma os hábitos e os costumes, e assim se reproduz novamente a vida. Com os mesmo laços de afeição recíproca e muitas vezes inocentemente mal medida, cedendo a todas as dependências em busca de balanço sem nos darmos conta de que o nosso equilíbrio tem de ser descoberto não nos outros, mas sim em nós mesmos. É isso o mais importante: além de amigos, de amores, de prazeres, seja responsável primeiro pelo próprio contentamento autônomo. É disso que agora estou constantemente em busca.


“A dor é inevitável, o sofrimento é opcional“ Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A linda história de Rafael e Rafaela

Rafael era um merda na vida. Não o merda clichê que é desonesto e tira notas baixas. Ele ganhava bem e tal, só era meio escroto. Então era um merda. Como não podia ser diferente, um dia conheceu a menina. Rafaela. Só que comeu a irmã dela, só que ela nunca soube. Então não tem problema. Como não podia ser diferente, Rafaela era o oposto de Rafael, em muitos sentidos, com algumas exceções. O nome por exemplo. Rafael gostava de Led Zeppelin e Rafaela de Grand Funk Railroad. Certo dia Rafael disse "Led é melhor!", Rafaela respondeu "Não! Grand Funk é melhor!!". E não se falaram por sete dias e sete noites. Rafaela chorou e Rafael riu. Rafaela era pobre e queria a mordomia oferecida por Rafael, então voltou com ele. Rafael era mesmo escroto.

Passada a introdução aleatória, transformemos a história em uma função do tempo. Como não podia ser diferente, se conheceram na faculdade. Rafael era aquele das melhores notas e piores piadas. Rafaela era o contrário. Mas era bonita, então compensava as notas. O que conquistou mesmo Rafael foram as piadas. Foi só comentar "por acaso" sobre seu CR e chamar pra sair que foi fácil assim. Esperou-a fazer uma piada e pegou. Pegou e ficou. Namoraram logo depois (como não podia ser diferente). Seu CR caiu um décimo, isso prejudicou o relacionamento. Deu mais atenção aos estudos, e menos atenção às piadas. E ela pensava em se casar porque já não aguentava sua vida medíocre. Certo dia Rafaela disse "Vamos nos casar amor!", e Rafael "Adoro suas piadas amor!!". E não se falaram por sete dias e sete noites. Ele se deu conta de que sua vida era mais feliz rindo mais e transando com uma gostosa, então voltou com ela. Escroto. O dia em que se casaram foi tão feliz. Cada um atingindo seus interesses e confortos. Rafael podia se gabar para os amigos para sempre agora. Rafaela deu level up em sua conta bancária. O casal perfeito. E foram muitos felizes, apesar das diferenças (como não podia ser diferente). Apesar das brigas. Rafael comia brigadeiro, Rafaela palia italiana. Rafael escondia o biscoito de maisena. Rafaela enchia a dispensa. Um dia ela descobriu o esconderijo: debaixo da cama. Isso explicava os ratos e baratas que rondavam no quarto. Demorou sete dias e sete noites para limpar aquela podridão, e ainda deu-lhe um esporro. Ele não se abalou e deu-lhe um cartão de crédito. Problema resolvido.

Como todos sabemos, e não podia ser diferente, nada é para sempre. A ruína do casamento do casal feliz não se deu por causa das brigas. Foi pela convivência. Não pelos problemas trazidos por ela, mas sim pelas vantagens. Rafael lhe ensinou a ser determinada, focada, dedicada. Ela fez pós e conseguiu um bom emprego. Rafaela lhe ensinou a ser sociável, amigável, gentil e engraçado. E os dois pensavam: "Sendo rico e engraçado, o mundo é meu". E se aventuraram, cada um por si, a conquistar o mundo. Ambos de cabeça erguida e satisfeitos com a vida. Quem precisa de um casal perfeito, quando já se é perfeito por si só?



Agradeço a Gabriel por ter-me deixado copiar o nome do protagonista. E a ideia de escrever ficção. Mesmo que não lhe tenha pedido.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Debut Crônico

O relógio marca 5:23. Rafael esta acordado desde as 5:18. Deitado na cama tem o olhar azul turquesa espalmado no teto de seu apartamento comprado há exatamente oito anos atrás. A mesmice da sanca branca o perturba e ele pensa, pela quarta vez nos últimos sete meses, que gostaria de fazer uma reforma, talvez se mudar. A época – pensava – não poderia se mais adequada. Uma nova fase em sua vida clamava por um novo cenário. Seu diploma, ainda no cilindro azul com o símbolo da melhor universidade de economia de Londres exora pra ser enquadrado numa moldura cara e pendurado numa parede recém pintada. Diploma o qual teve muito uso para o dia de hoje. Olha novamente para o relógio. 5:32. Melhor levantar. Atravessa o espaço de sua cama ate o banheiro, único cômodo fechado em seu amplo loft de 200m², dos quais cada um guarda uma diferente lembrança de festas e reuniões que organizou ali. Era considerado dono do melhor point da cidade, onde todos se juntavam pra beber antes de sair a fora pela madrugada. Comemorara há pouco seus 28 anos naquela que fora considerada a melhor festa a que todos já haviam ido desde os tempos da faculdade. Ele molha o rosto moreno marcado por traços fortes e másculos que só agora começa a dar pequenos, mas charmosos, sinais da idade. Raspa então a pouca barba cerrada, e já levemente grisalha, que crescera nos últimos dias, e entra para o chuveiro. Não surpreendentemente Rafael não está nervoso. Tem a poucas horas de distância seu primeiro dia de emprego como consultor junior na sede londrina do Tribunal de Contas da União Européia. O emprego fora adquirido não diria facilmente, mas sem maiores complicações. Seu currículo era invejável, onde haviam listadas viagens freqüentes a diferentes países, formações nas instituições mais prestigiadas da Grã-Bretanha, estágios em empresas e bancos dentre os maiores da Europa, além de inúmeras cartas de recomendação por personalidades no ramo, algumas ganhadas por merecimento, outras por influência da família de importantes banqueiros ingleses. Sempre fora muito confiante, fazendo tudo sabendo que sempre dava o melhor de si. Rafael, a quem havia sido dado ignição pela mão poderosa do pai abastado, agora vivia do próprio dinheiro. Ganhava extremamente bem para um jovem de sua idade e via no futuro sua ascensão inevitável. Secou-se e dirigiu-se nu para o closet para vestir seu melhor terno Zegna. Enquanto se arrumava, admirava-se no grande espelho de seu quarto. Não era narcisista, apenas vaidoso. Seu porte atlético que se esticava até 1,85m de altura tinha sua base em musculosas pernas e era torneado em largos e potentes ombros e braços que adquirira nadando diariamente na piscina particular do prédio. A pele morena era natural da descendência espanhola. Deixava-lhe o corpo ainda mais belo e parecido com o de um modelo grego. Tomou seu café e em seguida checou as mensagens na secretária eletrônica. Duas. Uma de sua namorada Gia, que conhecera dois anos atrás em uma visita profissional à Glasgow. Conquistara a ela e a seu pai, então presidente do Royal Bank of Scotland, com o qual havia ido tratar de negócios. E gostava de admitir, havia sido conquistado também. Gia, como ele, era esbelta, elegante, inteligente, sofisticada e, para ele o mais importante, engajada a causas sociais. Ambos eram participantes ativos de projetos educacionais exemplos na Grã-Bretanha. Ambos também tinham o mesmo desgosto pelo preconceito alheio contra pessoas de suas classes sócias. Sentiam-se ofendidos quando pré-julgados como egoístas e esnobes apenas pelo fato de serem ricos. Eram, muito pelo contrário, extremamente generosos e dispostos a ajudar ações as quais consideravam nobres. Trabalhavam em um relacionamento a distância, mas com visitas freqüentes e apaixonantes. Acreditavam que dessa maneira não deixavam nunca a chama apagar. Eram completamente loucos um pelo outro e pensavam, talvez, num futuro distante, em casarem-se e construírem uma vida juntos, ao lado de seus amados. Após a mensagem de Gia, na qual ela avisava que estaria em Londres no final de semana seguinte, escutou a próxima, na qual o melhor amigo, Jeff, perguntava-lhe sobre uma questão econômica. Isso era de extremo agrado a Rafael. Seus melhores amigos, os de faculdade, com os quais seguia para o mesmo campus todos os dias, todos pediam-lhe, freqüentemente, opiniões sobre os mais diversos assuntos na sua área de atuação. Jeff era aquele com que Rafael tinha mais intimidade, encontrando-lhe quase todo o dia depois do trabalho no mesmo pub da cidade onde iam quando mais jovens. Jeff namorava uma amiga em comum deles, Martha, que depois veio a ficar amiga também de Gia, fato que proporcionava aos quatro jantares agradabilíssimos em caros restaurantes da capital ou mesmo na casa de Jeff, que cozinhava extremamente bem e entendia muito de vinhos. Pegou as chaves de seu carro esporte do ano, sua pasta e vestiu seu sobretudo para proteger-se da neve de janeiro. Deu uma última olhada para a vista chocante do rio Tâmisa que lhe era proporcionada todos os dias, fechou a porta pesada, trancou-a, e seguiu. Seguiu para seu sonho, seu sucesso, seu dinheiro, seu amor, sua vida que completava-se saborosamente aos poucos. Desceu as escadas do segundo andar e, de súbito, escorregou numa sobra de gelo trazida pelos sapatos dos vizinhos. Viu os degraus vindo em sua direção. Ou seria sua face indo em direção a eles? Não conseguiu discernir.

E então Rafael morre, e tudo do que havia desfrutado, tudo que havia concebido e tudo o que havia planejado para si mesmo desvanece-se e desaparece, para sempre, na aurora de sua vida.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Casual

Escrevo um pouco apressado. Em 6 horas tenho que estar pronto para viajar ao exterior, mas não queria desperdiçar a chance e pelo menos fazer um comentário sobre o assunto que no momento está fresco em minha cabeça e que no futuro pode ser aprofundado. Terminei ontem o livro “Um dia”, de David Nicholls. Cheguei em casa por volta da meia-noite e resolvi ler mais um capítulo mas acabei não conseguindo parar até que a história me oferecesse um final. Cheguei a ele em êxtase, me dando em conta que aquele era um daqueles livros que quando terminamos temos vontade de berrar “é MARAVILHOSO!!!”, simplesmente pela necessidade de contar para alguém o quão adoramos a leitura. São esses livros que me reafirmam meu amor pelas palavras e me incentivam a brincar com elas aqui no blog. São eles que me fazem não desistir, não do sonho, já que esse pode facilmente causar frustrações, mas do desejo de um dia escrever profissionalmente, para centenas, ou, diria talvez se fosse mais otimista, milhares. A história maravilhosa de um casal que se apaixona na juventude e tem suas vidas separadas pelo descorrimento de si mesmas é simplesmente cativante. O rumo completamente inesperado que nós podemos tomar é magistralmente expresso, a diferença do que esperávamos ser quando recém-formados e do que nos tornamos quando mais velhos. Acredito que é isso que me força a não acreditar no destino. E se estivermos reservados a uma existência enfadonha, sem encantos? E se esse for o nosso destino, inelutável? Não – penso – prefiro acreditar na sorte, nas circunstâncias, nos efeitos dos esforços, na determinação de nós mesmo. Na possibilidade de mudarmos seja lá o que for que nos espera por qualquer motivo. Essas são as exatas belezas da vida, sua imprevisibilidade e sua volatilidade. Seria desestimulante vivermos sob a sombra de um roteiro fixo, ao qual somos totalmente submissos e não temos nenhuma influência, marionetes do desígnio. Satisfaz-me mais a idéia do acaso, com todas suas hipóteses. É bem mais provável que o que nosso futuro seja menos brilhante do que aquele com que contamos. Mas gosto das chances que “provável” me oferece. São pelo menos melhores que as de “certeza”, que nos poderia brindar com o sucesso ou nos taxar com o fracasso, à própria vontade. Simpatizo com a noção de que tudo é praticável e que o destino, se insistem em acreditar em um, é moldável exclusivamente às nossas vontades e arbítrio, às nossas escolhas e ações. À nossa mercê.

Recomendo com imensa convicção essa leitura. Vale a pena!

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Enquete 3

“O que os olhos não vêem o coração não sente.” Pobre ditado, tens a mim. Sempre que patrocino sua legitimidade sou criticado: “Que canalha você!” Não é porque acredito nele que ao meu caso ele tem aplicabilidade. Mas não adianta, o adágio pena sempre sem necessidade. Depois de mais uma discussão com um dos que o caçam fiquei pensando na profundidade das implicações da sentença. Afinal, prefiro um coração dilacerado pela fivela da verdade ou acalentado pela benevolência da fantasia? Uma alienação da qual não se tem conhecimento é sempre oportuna, não? Àqueles que continuam atestando que não suportariam um orgulho ferido respondo: vocês não saberiam de nada, estariam protegidos sob a sombra da falta de ciência de seja lá o que for que os transtornaria. Convoco-os a medir e comparar os resultados: é maior o conforto moral de ter conhecimento da realidade por mais impetuosa que seja ela ou a comodidade de abster-se de tal incômodo desnecessário. Nesse sentido sou como Cypher, de Matrix, que não se importa em ser introduzido de volta no sistema contanto que retorne rico e famoso e que de nada disso se recorde. Faço dele minhas palavras: “Ignorance is bliss”. Ignorância é felicidade, suprema e absoluta. Ou ainda as de meu mártir, Nietzsche: “Wir haben die Kunst, um nicht an der Wahrheit zu sterben”. Temos a arte para não morrer da verdade. Na arte, à bons vinhos e mulheres ¹, ignoro complacente aquilo que me convém.

Meu intuito principal não é persuadir, mas entender em que sentido meu ponto de vista pode ser irracional, se é que de fato é.


1. Referência às exigências da personagem Cypher, de Matrix , ao condicionar sua volta à Matrix.

terça-feira, 26 de julho de 2011

O ponto

Cansei daquela elaboração de sempre. Encaixando vírgulas, palavras. Frases longas, complexas, trabalhadas, coesas. Quero ir direto ao ponto.

O ponto. Sei todas aquelas conjunções. Tive a (in)felicidade de perceber que não servem de nada. O que aprendemos primeiro, antes de todas as palavras, lhes toma o lugar. Há certa preferência por usá-las em ocasiões mais sérias, entendo. Mas posso, pelo menos aqui, sem problemas, aboli-las. Parcialmente. Porque ninguém vive sem um porque. Sem um mas, um ou, um quando. E um e também. Aliás, também ninguém precisa de aspas. Voltando ao ponto do ponto. O ponto é a melhor das conjunções. Pode ser empregado no lugar de qualquer uma das coordenativas. As subordinativas são, de certo modo, um problema. Complicadas de omitir. Mas também podemos tentar substituí-las por pontos. Não der certo, a gente muda. Só. Não dê pra entender. As frases não façam sentido. Pareçam meio desconexas. Não acho que isso esteja acontecendo. Whatteva.

terça-feira, 19 de julho de 2011

R.G.A., 2ª da série

Agora nosso blog está com o tema Restart. Não é à toa que o R se destaca muito mais que as outras letras. Porém, enquanto houver aprovação, relevarei esse problema. Achei que agora há certa dificuldade para ler o que está em laranja aqui ao lado esquerdo. Gabriel que conserte isso. Ou não. Eu não.

Às vezes tento falar aquelas línguas que nos ensinaram na escola (não digo exatamente que aprendemos), mas vejo que começam a se perder. Saem da gente em forma de fumaça. Mas que se espalha lentamente, de modo que a grande maioria das palavras importantes ainda está por perto, e se recupera com uma simples sugada. Que, apesar de simples, precisa de incentivo. As coisas se complicam quando diversas fumaças coexistem. Há algumas que tem densidades parecidas, ao se sugar uma, vem a outra, e vice versa. Acontece muito quando são fumaças derivadas do mesmo elemento. Novas fumaças me têm rodeado. Como dois corpos não ocupam o mesmo espaço, outras se têm afastado, e agora há certa dificuldade em puxá-las de volta. Mas não é preciso muito para consegui-lo.

Acho que línguas não se falam, línguas se fumam.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

R.G.A. (Reflexão Geral Aleatória), 1ª da série

Outro dia me estavam falando sobre a vida e eu disse: "bobagem". Quando me estavam dizendo bobagens eu falei sobre a vida. Que aliás, assunto muito sem graça. Que aliás, às vezes não faz mal parar de se preocupar e só deixar saírem as palavras. Faltou um verbo, faltou, já era. Como já disse alguma vez na vida: "o que conta é a espontaneidade". O que acontece na realidade é que o blog alcançou um patamar menos íntimo, de modo que a maioria das pessoas pouco está interessada em saber as irrelevâncias que a vida nos impõe. Ou com as quais a vida nos presenteia. Porque afinal, bobagens são dádivas. O conceito de "importante" é muito amplo e relativo. E quando a gente reclama das irrelevâncias sempre vêm com aquele mesmo papo, como se, por ter água e comida, devêssemos ser as pessoas mais felizes do mundo. Tá, moradia também conta. O fato é que muitas vezes um mosquito à noite no quarto é pior que a ausência de quarto. E não culpo os mosquitos. Culpo aqueles que não nos deixam reclamar deles. E culpo duas vezes aqueles poucos que não nos deixam matá-los. Frases ambíguas são um problema. O que aquelas pessoas não deixam, na verdade, é que a gente fique triste. Só reclamar até passa. Não percebem, parece, que as necessidades, na vida, vão muito além da sobrevivência e do conforto. As necessidades ultrapassam quase todas as barreiras. Menos a do amor. Através do amor são satisfeitas todas as necessidades. Ou ignoradas. No amor estão as respostas para todas as perguntas. Às vezes cachoeiras também desempenham um papel semelhante, Gabriel que o diga, mas ainda voto a favor do amor.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Transcendências do Iguaçu

De antemão desculpo-me pelo aspecto descritivo do começo, mas achei necessário para o desenvolvimento do texto, para seu estilo de gradação.


Voltei a pouco de uma viajem a Foz do Iguaçu. Ficamos hospedados no parque nacional da cidade, com as cataratas (a parte que ao nosso país pertence) à vista do quarto do hotel. Também do hotel avistava-se logo à frente o solo argentino. A trilha das quedas brasileiras começava a apenas alguns metros do lobby principal e os próprios recepcionistas nos proviam de capas de chuva descartáveis para se proteger do vapor causado por um chuveiro com vazão de 1,4 milhões de litros de água por segundo. Os números de fato impressionam e a paisagem é bonita, mas confesso ter me decepcionado ao final da trilha. A magnitude do lugar não correspondeu às expectativas de um megalomaníaco ávido por ver algo grandioso. O Jet Lag foi logo compensado no dia seguinte por uma visita à hidrelétrica de Itaipu. A ansiedade por magnificência foi saciada pela suntuosidade de um milagre de concreto do tamanho de um prédio de 65 andares, com um escoamento (40 vezes maior que o das pobres cataratas) cuja força movimenta turbinas de aproximadamente 50 metros de diâmetro, processo que resulta em fios condutores de meio milhão de volts cada. Um Édem produtor de energia limpa. Saí farto.

O programa do dia seguinte era novamente uma visita às cataratas, dessa vez à Garganta do Diabo, maior queda de todo o conjunto (90 metros de altitude), localizada no território argentino. Achei que fosse novamente me desapontar com a desilusão, mas fui pela experiência de comer um chorizo dos hermanos. O restaurante era asqueroso. Depois da tentativa mal sucedida pegamos um trenzinho e fomos até o começo da trilha que levava até o mirante da queda. Na ida fui distraído. O cansaço do corpo gripado tirava a atenção dos olhos que miravam apenas a seqüência ininterrupta dos pés percorrendo a longa distância numa passarela sobre um rio calmo. Na volta, após o que descreverei, os olhos vigilantes captavam todos os aspectos da paisagem. Nunca havia percebido como o ambiente fluvial é agradável. Sereno, límpido, ameno, suave: todos os adjetivos possíveis que lembram um frescor renovador. O ruído da correnteza desviando nas cabeças das pedras acima do nível das águas desanuviou toda a fadiga e o descontentamento acumulados. Tudo isso foi possível pelo que vivi quando cheguei ao mirante. Ali, após passar pela última tenda de árvores presentes no percurso inteiro, cheguei ao meu clímax. À primeira epifania de minha vida. Todas as sobras de dúvidas e questionamentos sobre a existência de uma força superior sobrenatural que eu tinha foram convertendo-se em ruínas durante o tempo em que passei frente ao que posso considerar apenas como uma manifestação divina. O inesperado acentuou o sacro. A soberania sagrada estava expressa naquele poder, naquela força energética incessante. Essencialmente pura, em tudo, suas saliências, suas imperfeições, narrativa imaculada. Caio e sua doutrina que me perdoem, mas não existe a possibilidade de presenciar algo gozador de interpretação tão intrincada e prestar seu surgimento ao acaso. Não que seja partidário da ortodoxia, muito pelo contrário, acredito na forma de minha própria crença e na autenticidade de suas metamorfoses constantes. Mas a intervenção de algo completo e intangível em tal fato é evidente. Acho até que é tal imensidão de clareza que nos faz dúbios. Evidente também é o quão afortunado me senti mediante essa vivência. Eu existi um de meus versos musicais favoritos (de The Dog Days Are Over, Florence and The Machine): “Happiness hit her like a bullet in the mind”. A felicidade a atingiu como uma bala na mente. Na mente, no corpo, nos olhos, nos pêlos, na íntegra. Perplexamente feliz. Foi ali que senti, eminentemente sincero e magnânimo, o afago de deus. É nisso que creio.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Tempos Negros

É a hora pior de todas aquela em que os tempos áureos se escurecem.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Tempos Áureos

E se anuncia o início de tempos áureos, como não são há muito tempo. Há muitos tempos ainda por vir, só questão de tempo. Que estão querendo dizer miocárdio e seus adjacentes, se fazendo sentir tão forte? Tensões da vida que se sentem nos tendões. O frio da barriga que escorre pelo suor. Doces angústias da vida, que as aproveitemos enquanto podemos. Logo aqueles tempos áureos as levarão embora, mas devagar para que não percebamos. Certa crueldade, mas evita o susto.. às vezes. O que importa é quando as incertezas emergem para nos afogar. O lado plúmbico dos tempos áureos. Que traz também as expectativas impossíveis, e os tapas na cara. E sobra tudo sempre para o pobre do miocárdio. Mas que venham esses tempos áureos que estou a sua espera.
Que os tantos suspiros os consigam manter aqui um pouquinho mais.

sábado, 28 de maio de 2011

Música eletrônica

Ontem tive a oportunidade de "apreciar" devidamente a música eletrônica. Já não gostava, mas dessa vez prestei um pouco mais de atenção que o normal. Se um dia disse ao Thiago, fielmente anti-música-eletrônica, que "tem algumas que são legaizinhas", retiro o que disse. Bem, à análise.

Nunca tinha reparado como este tipo de música é tão pobre. Em 90% das músicas, se destacam dois ou três elementos principais: a percussão, o sintetizador e a voz, caso haja. Comentemos cada um, a começar pela percussão. Por se tratar de um ritmo reto, ou seja, notas principais em tempos fortes, ela deixa a desejar. Ao fato de o ritmo se manter constante durante toda a musica e de as viradas serem sempre as mesmas, soma-se o de que muitas das vezes o bumbo, que contém o grave, já é afinado de acordo com a música, o que elimina a necessidade de um baixo. Quanto ao sintetizador, é igualmente decepcionante. Constatei que, ao contrário do que pensava, a música eletrônica comercial tem as harmonias mais pobres e simples de todos os tempos, vencendo até da música pop. Prefere-se usar um som apenas à combinação infinita que permite o sintetizador, além de manter um, dois, três ou, quando muito, quatro acordes durante a música inteira, sempre, claro, na mesma ordem. A parte vocal nem se comenta, auto-tune propositalmente descarado.

Resumindo, as regras da música eletrônica são: criatividade proibida, tudo o mais fácil possível e qualquer um pode fazer, basta ter dinheiro e aqueles equipamentos fodões que fazem tudo pra você, frisando que também é proibido saber qualquer coisa sobre música. Quando a gente vê que esse tipo de... coisa faz mais sucesso que infinitos gêneros de música BOA, dá até vontade de chorar. Finalizando, a todos que já me disseram "Não tem que ouvir a música, tem que sentiiir!!", respondo:
"FOI MAL, MAS EU NÃO CONSIGO SENTIR ESSA MERDA!!!".

Deixo claro que tratei aqui do tipo mais comercial de música eletrônica, pois reconheço que dentro dela há muito de bom, que obviamente não faz sucesso.

E que se exploda toda a música eletrônica!!!

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Ensaio sobre o Prozac


“Essa animalização do homem em bicho-anão de direitos e exigências iguais é possível, não há dúvida! Quem já refletiu nessa possibilidade até o fim conhece um nojo a mais que os outros homens – e também, talvez, uma nova tarefa!”.


Friedrich Nietzsche (1844-1900)




Desculpem-nos pela seca, mas escrever pra mim é uma arte. Não se faz nas coxas, apenas pela necessidade de se fazê-la. É preciso inspiração, informação, vocabulário. E depois de isso tudo ainda é necessário um impulso, um incentivo, um estímulo quase que nervoso. O meu hoje foi o filme O Casamento do Meu Melhor Amigo. Angustia-me ver o blog assim, vivendo das carcaças de textos passados. Há dias queria postar algo, e minha aula de filosofia é a fonte, me enchendo de idéias e dúvidas. Já obtinha a essência, faltava-me o corpo. Até que assisti os 100 minutos de Julia Roberts como Julianne Potter. Ver os atos desesperados praticados por ela por receio de perder a chance de se casar com o homem de seus sonhos, chance a qual se mostrou diversas outras vezes, mas que nunca fora aproveitada; me fez pensar sobre o quão necessário é para nós que alcancemos nossa concepção de felicidade. Pois digo logo, para mim, essa concepção, na maioria das vezes, seja lá qual for ela, está errada. Esforçar-se para achar felicidade já apresenta um paradoxo. O que é estar “em busca da felicidade”? O sentido da vida? Uma perda de tempo? Chegando agora ao fim do semestre tive a oportunidade de estudar Friedrich Nietzsche e de nele encontrar o filósofo com que eu mais me identifico. É exatamente sua questão do “último homem VS. super-homem” que tento exemplificar aqui. No final do filme, Jules recebe a lição do amigo: “What the hell? Life goes on. Maybe there won't be marriage. Maybe there won't be sex. But by God, there will be dancing!”. E a partir desse momento ambos saem dançando e desconstruindo o paradigma do pavor de viver uma vida coadjuvante. Concentramo-nos tanto em obter sucesso em todos os aspectos e a todas as custas que não percebemos que sucesso é viver a vida como ela é. É como diz o alemão: errado é tentar entender a Verdade para lastrear uma conduta de vida. A Verdade que tanto buscamos é uma invenção nossa, um anestésico que mascara nossa incapacidade de aceitar que o único e exclusivo sentido da vida é vivê-la. E que só assim ela faz sentido. Vou ainda em sua aba quando ele dá o exemplo de Deus: o que virou ele afinal senão o fetiche da realização de nossos próprios desejos? Acreditamos, pois nos forçamos a isso, por medo de não o fazer. Moralizamos essa figura divina dando a ela uma conotação utópica para dela nos aproveitarmos como ferramenta de alcance de interesses próprios. Deus tornou-se um antidepressivo. É como já dizem alguns títulos criativos “Mais Platão, Menos Prozac!”. É essa, hoje em dia, a principal rota de fuga da clareira que Nietzsche abriu: nada melhor que um comprimido de Lexotan ou uma dose de ‘branquinha’ para matar a aflição de não saber o que fazer com a vida. Ora, não faça nada! Não se deve fazer algo COM ela, mas sim DELA. Chegamos a tal grau de niilismo e superfluidade que inventamos as mais diversas válvulas de escape do questionamento do nosso papel nesse mundo. Não temos papel nenhum! Essa ‘moral de rebanho’ em que vivemos é inútil, serve apenas para nos impedir de vivermos do nosso jeito, apropriado e conveniente a cada um de nós, exclusiva e unicamente, completamente livre de preconceitos, censura, desaprovação, dominação, falso pudor, e todas as outras ‘virtudes’ que adquirimos com o desenrolar dos séculos. Paremos de nos inquietar tanto com a definição da razão de nossa existência. Façamos o que queremos: tenhamos amigos, amemos, falemos bobagens, andemos descalços, experimentemos tudo, burlemos as leis (escondidos), sejamos cafonas como estou sendo agora... O crucial é, como diz o filósofo baiano Sir Caetano, saber a dor e a delícia de ser o que é. No mínimo, tenho certeza, there will be dancing.


sábado, 9 de abril de 2011

Os Mesopotâmicos

Um dia me disseram...

Que os mesopotâmicos
viviam entre rios.

Que os mesopotâmicos
contavam em doze.

Que os mesopotâmicos
e seus jardins suspensos.

Que os mesopotâmicos
maravilha do mundo!

Que os mesopotâmicos
e suas escritas arcaicas.

Que os mesopotâmicos
comerciavam.

Que os mesopotâmicos
louvavam aos deuses

Que os mesopotâmicos
até a morte!

Que os mesopotâmicos
e suas descobertas matemáticas.

Que os mesopotâmicos
e o tempo!

E quando hoje me vejo
em pleno Rio de Janeiro,
na civilização retrocessivamente moderna,
me encontro,
inusitadamente,

Mesopotando por aí...

domingo, 3 de abril de 2011

Comunicado

Bem, como vistes, Gabriel parece que tomou vergonha na cara. Como é de se esperar, fiquei surpreso com a melhora de 1000% em relação a todos os outros. Então, depois de intermináveis rixas, discussões, críticas, e afins, finalmente me curvo a sua superioridade. Vejo que o que me resta, agora como coadjuvante, é mudar radicalmente o estilo, visto que, a partir de agora, ficariam todos saturados de minha mediocridade.

Pois bem, passarei a usar o blog como espaço para experiências. Meus textos consistirão em novas abordagens de estrutura, linguagem, vocabulário. De modo que a qualquer um que me venha falar que ficou ruim, eu possa responder: "Ah, eu estava só experimentando...". Não pretendo, porém, abandonar o tom confessional que à Dona Fátima tanto agrada.

Ainda estou por decidir qual será a nova divisão dos meus textos, visto que misturar as experiências com as confissões não me parece uma boa ideia. Tá aí, mais uma experiência a fazer.

Então, resumindo o aviso todo: esperem menos de mim. :)
Até o próximo surto de saco.