quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Como uma onda no mar


Quando volto à metade de algo que já teve fim me pergunto, por que começa? Quando ouvi pela primeira vez Lulu Santos dizendo que nada do que havia sido seria de novo do jeito em que um dia fora desliguei o rádio de onde saía aquela vil profecia. Dizia que a música era pobre de letra e enjoativa de melodia. A partir de então nunca fui muito com a cara de Lulu, cuja música ecoava em minha cabeça toda vez que algo - ou alguém - importante para mim parecia começar a ser levado pela correnteza, como uma onda no mar. O que não me ocorrera então era que nascido Luiz Maurício Pragana dos Santos, no Rio de Janeiro, como eu, Lulu era apenas mais um homem tentando expressar o que sentia e tinha certeza que outros sentiam também.  Lulu nasceu humano, fato que lhe facultou, entre outras coisas a introspecção, a consciência e a linguagem. Por isso, Lulu pôde interagir, não apenas com outros Pragana dos Santos, mas com qualquer um que encontrou seu caminho. Nesses com quem se deparou durante sua existência estão os relacionados de sangue e alcunha, mas mais particularmente os de carinho e afeição. Lulu teve amigos, teve amantes. Lulu riu à falta de ar, odiou a raiva que lhe consumia o espírito e energia, apanhou dos ciúmes que lhe amargaram o coração, confiou como herói sem contrato, amou transcendente quem lhe fez capaz de emoção, não lhe importava qual. Lulu foi pessoa por que teve de sê-lo. Não se sabe se preferia ter vindo à Terra vaca. Talvez preferisse ruminar grama ao invés dos diversos sentimentos aos quais foi servido. Todos os sentimentos dos quais é senhor e escravo, é descanso e desejo, e que, pela mais traiçoeira das pirraças da vida, passam. Quer os odeie, quer os ame, quer junto a eles ser constante, sua onda estoura e uma espuma nostálgica se arrasta pela praia. Lulu nunca quis me magoar. Ele era apenas o aviso da espécie que dizia que por mais ricos de sensações que todos somos, nunca seremos de novo do jeito que já fomos um dia. Lulu era gente que, como eu e você, queria boiar pra sempre na crista da onda, mas que acabou levando um caldo do mar.

Gabriel Abreu 

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

do amoroso lençol


Enquanto ele respirava o rosto dela subia e descia com a oscilação do peito largo em que deitava. Aquele leito bruto era o descanso mais seguro que poderia encontrar em todo mundo. Aquela pele quente, aquele cheiro conhecido. Seus longos cabelos negros escoriam pelo ombro forte dele, seus braços descansavam na cintura morena enquanto as mãos femininas se arrastavam pelo abdômen que sorria, as quatro pernas enroscadas entre si, as intimidades se espiando. Ela sabia que se dali nunca mais saísse seria feliz para sempre. Isso seria possível. Ela se nutriria da áspera tez dourada, se sustentaria da respiração descansada tão característica que ele tinha, se agarraria naquele tronco sossegado de carinho e amaria eternamente o homem que a fez mulher como nunca o foi. Disso ele sabia também. Sabia que aquela era sua única aquela que poderia lhe fazer satisfeito. Sua sede de tudo na vida adormecia nos seios sinceros daquela mulher. Ele olhava para os seus olhos cor e cheiro de castanhas. Fitava o nariz desajeitado, lar da pintinha escura pela qual se apaixonara. Mirava a boca em que se perdia e suplicava nunca mais se achar. Desejava-lhe de corpo, de alma, e de mais do que todo o possível  resto. Amavam-se juntos, depois um ao outro e por fim a si mesmos. 

Eles continuaram os dois na inércia da cama sem respirar. Até que ficaram sem fôlego, e nada nunca mais foi o mesmo.  

Gabriel Abreu