quinta-feira, 28 de julho de 2011

Enquete 3

“O que os olhos não vêem o coração não sente.” Pobre ditado, tens a mim. Sempre que patrocino sua legitimidade sou criticado: “Que canalha você!” Não é porque acredito nele que ao meu caso ele tem aplicabilidade. Mas não adianta, o adágio pena sempre sem necessidade. Depois de mais uma discussão com um dos que o caçam fiquei pensando na profundidade das implicações da sentença. Afinal, prefiro um coração dilacerado pela fivela da verdade ou acalentado pela benevolência da fantasia? Uma alienação da qual não se tem conhecimento é sempre oportuna, não? Àqueles que continuam atestando que não suportariam um orgulho ferido respondo: vocês não saberiam de nada, estariam protegidos sob a sombra da falta de ciência de seja lá o que for que os transtornaria. Convoco-os a medir e comparar os resultados: é maior o conforto moral de ter conhecimento da realidade por mais impetuosa que seja ela ou a comodidade de abster-se de tal incômodo desnecessário. Nesse sentido sou como Cypher, de Matrix, que não se importa em ser introduzido de volta no sistema contanto que retorne rico e famoso e que de nada disso se recorde. Faço dele minhas palavras: “Ignorance is bliss”. Ignorância é felicidade, suprema e absoluta. Ou ainda as de meu mártir, Nietzsche: “Wir haben die Kunst, um nicht an der Wahrheit zu sterben”. Temos a arte para não morrer da verdade. Na arte, à bons vinhos e mulheres ¹, ignoro complacente aquilo que me convém.

Meu intuito principal não é persuadir, mas entender em que sentido meu ponto de vista pode ser irracional, se é que de fato é.


1. Referência às exigências da personagem Cypher, de Matrix , ao condicionar sua volta à Matrix.

terça-feira, 26 de julho de 2011

O ponto

Cansei daquela elaboração de sempre. Encaixando vírgulas, palavras. Frases longas, complexas, trabalhadas, coesas. Quero ir direto ao ponto.

O ponto. Sei todas aquelas conjunções. Tive a (in)felicidade de perceber que não servem de nada. O que aprendemos primeiro, antes de todas as palavras, lhes toma o lugar. Há certa preferência por usá-las em ocasiões mais sérias, entendo. Mas posso, pelo menos aqui, sem problemas, aboli-las. Parcialmente. Porque ninguém vive sem um porque. Sem um mas, um ou, um quando. E um e também. Aliás, também ninguém precisa de aspas. Voltando ao ponto do ponto. O ponto é a melhor das conjunções. Pode ser empregado no lugar de qualquer uma das coordenativas. As subordinativas são, de certo modo, um problema. Complicadas de omitir. Mas também podemos tentar substituí-las por pontos. Não der certo, a gente muda. Só. Não dê pra entender. As frases não façam sentido. Pareçam meio desconexas. Não acho que isso esteja acontecendo. Whatteva.

terça-feira, 19 de julho de 2011

R.G.A., 2ª da série

Agora nosso blog está com o tema Restart. Não é à toa que o R se destaca muito mais que as outras letras. Porém, enquanto houver aprovação, relevarei esse problema. Achei que agora há certa dificuldade para ler o que está em laranja aqui ao lado esquerdo. Gabriel que conserte isso. Ou não. Eu não.

Às vezes tento falar aquelas línguas que nos ensinaram na escola (não digo exatamente que aprendemos), mas vejo que começam a se perder. Saem da gente em forma de fumaça. Mas que se espalha lentamente, de modo que a grande maioria das palavras importantes ainda está por perto, e se recupera com uma simples sugada. Que, apesar de simples, precisa de incentivo. As coisas se complicam quando diversas fumaças coexistem. Há algumas que tem densidades parecidas, ao se sugar uma, vem a outra, e vice versa. Acontece muito quando são fumaças derivadas do mesmo elemento. Novas fumaças me têm rodeado. Como dois corpos não ocupam o mesmo espaço, outras se têm afastado, e agora há certa dificuldade em puxá-las de volta. Mas não é preciso muito para consegui-lo.

Acho que línguas não se falam, línguas se fumam.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

R.G.A. (Reflexão Geral Aleatória), 1ª da série

Outro dia me estavam falando sobre a vida e eu disse: "bobagem". Quando me estavam dizendo bobagens eu falei sobre a vida. Que aliás, assunto muito sem graça. Que aliás, às vezes não faz mal parar de se preocupar e só deixar saírem as palavras. Faltou um verbo, faltou, já era. Como já disse alguma vez na vida: "o que conta é a espontaneidade". O que acontece na realidade é que o blog alcançou um patamar menos íntimo, de modo que a maioria das pessoas pouco está interessada em saber as irrelevâncias que a vida nos impõe. Ou com as quais a vida nos presenteia. Porque afinal, bobagens são dádivas. O conceito de "importante" é muito amplo e relativo. E quando a gente reclama das irrelevâncias sempre vêm com aquele mesmo papo, como se, por ter água e comida, devêssemos ser as pessoas mais felizes do mundo. Tá, moradia também conta. O fato é que muitas vezes um mosquito à noite no quarto é pior que a ausência de quarto. E não culpo os mosquitos. Culpo aqueles que não nos deixam reclamar deles. E culpo duas vezes aqueles poucos que não nos deixam matá-los. Frases ambíguas são um problema. O que aquelas pessoas não deixam, na verdade, é que a gente fique triste. Só reclamar até passa. Não percebem, parece, que as necessidades, na vida, vão muito além da sobrevivência e do conforto. As necessidades ultrapassam quase todas as barreiras. Menos a do amor. Através do amor são satisfeitas todas as necessidades. Ou ignoradas. No amor estão as respostas para todas as perguntas. Às vezes cachoeiras também desempenham um papel semelhante, Gabriel que o diga, mas ainda voto a favor do amor.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Transcendências do Iguaçu

De antemão desculpo-me pelo aspecto descritivo do começo, mas achei necessário para o desenvolvimento do texto, para seu estilo de gradação.


Voltei a pouco de uma viajem a Foz do Iguaçu. Ficamos hospedados no parque nacional da cidade, com as cataratas (a parte que ao nosso país pertence) à vista do quarto do hotel. Também do hotel avistava-se logo à frente o solo argentino. A trilha das quedas brasileiras começava a apenas alguns metros do lobby principal e os próprios recepcionistas nos proviam de capas de chuva descartáveis para se proteger do vapor causado por um chuveiro com vazão de 1,4 milhões de litros de água por segundo. Os números de fato impressionam e a paisagem é bonita, mas confesso ter me decepcionado ao final da trilha. A magnitude do lugar não correspondeu às expectativas de um megalomaníaco ávido por ver algo grandioso. O Jet Lag foi logo compensado no dia seguinte por uma visita à hidrelétrica de Itaipu. A ansiedade por magnificência foi saciada pela suntuosidade de um milagre de concreto do tamanho de um prédio de 65 andares, com um escoamento (40 vezes maior que o das pobres cataratas) cuja força movimenta turbinas de aproximadamente 50 metros de diâmetro, processo que resulta em fios condutores de meio milhão de volts cada. Um Édem produtor de energia limpa. Saí farto.

O programa do dia seguinte era novamente uma visita às cataratas, dessa vez à Garganta do Diabo, maior queda de todo o conjunto (90 metros de altitude), localizada no território argentino. Achei que fosse novamente me desapontar com a desilusão, mas fui pela experiência de comer um chorizo dos hermanos. O restaurante era asqueroso. Depois da tentativa mal sucedida pegamos um trenzinho e fomos até o começo da trilha que levava até o mirante da queda. Na ida fui distraído. O cansaço do corpo gripado tirava a atenção dos olhos que miravam apenas a seqüência ininterrupta dos pés percorrendo a longa distância numa passarela sobre um rio calmo. Na volta, após o que descreverei, os olhos vigilantes captavam todos os aspectos da paisagem. Nunca havia percebido como o ambiente fluvial é agradável. Sereno, límpido, ameno, suave: todos os adjetivos possíveis que lembram um frescor renovador. O ruído da correnteza desviando nas cabeças das pedras acima do nível das águas desanuviou toda a fadiga e o descontentamento acumulados. Tudo isso foi possível pelo que vivi quando cheguei ao mirante. Ali, após passar pela última tenda de árvores presentes no percurso inteiro, cheguei ao meu clímax. À primeira epifania de minha vida. Todas as sobras de dúvidas e questionamentos sobre a existência de uma força superior sobrenatural que eu tinha foram convertendo-se em ruínas durante o tempo em que passei frente ao que posso considerar apenas como uma manifestação divina. O inesperado acentuou o sacro. A soberania sagrada estava expressa naquele poder, naquela força energética incessante. Essencialmente pura, em tudo, suas saliências, suas imperfeições, narrativa imaculada. Caio e sua doutrina que me perdoem, mas não existe a possibilidade de presenciar algo gozador de interpretação tão intrincada e prestar seu surgimento ao acaso. Não que seja partidário da ortodoxia, muito pelo contrário, acredito na forma de minha própria crença e na autenticidade de suas metamorfoses constantes. Mas a intervenção de algo completo e intangível em tal fato é evidente. Acho até que é tal imensidão de clareza que nos faz dúbios. Evidente também é o quão afortunado me senti mediante essa vivência. Eu existi um de meus versos musicais favoritos (de The Dog Days Are Over, Florence and The Machine): “Happiness hit her like a bullet in the mind”. A felicidade a atingiu como uma bala na mente. Na mente, no corpo, nos olhos, nos pêlos, na íntegra. Perplexamente feliz. Foi ali que senti, eminentemente sincero e magnânimo, o afago de deus. É nisso que creio.