“Aqui jazo, jovem”, me declara a
nostalgia. À ela cheira a casa que há pouco foi apresentada também ao hálito
tétrico de um adeus definitivo. Soa lúgubre, mas essa não é a intenção. Na
realidade a atmosfera da casa que é agora órfã da matriarca é repleta por uma
melancolia cor de rosa. “Um jeito romântico de ficar triste”. Como o sossego
que sucede uma chuva forte e deixa no ar o aroma de terra molhada e do sigilo
de uma família que se encontra numa magoada poça de alívio. Ou ainda o silêncio
que precede a tempestade silenciosa de neve que atapeta as calçadas e sufoca
nossas angústias. Da doença antiga
resultara apenas um sopro de vida e a previsão de um fim cedo do qual todos
estavam avisados. Agora ficamos perdidos em fotografias de há uma infância
atrás, achando sussurros de memórias passadas. Encontrando inusitadamente
elementos que o tempo consumiu e cuja falta faz o mundo parecer um lugar mais
alheio e menos original: Os verões campestres a cavalo, a criatividade inocente
e marginal, o valor dado ao simples, a apreciação do ócio, os acasos que
reuniam quem hoje não encontra reconciliação. A inexistência de dores de
cabeça, a inércia emocional, a ignorância espontânea. Lembranças que me fazem
desconsiderar o agora, e similares as quais outras terei quando for adulto e me
lembrar da época distante que vivo atualmente. Nesse carrossel da nossa
existência, presos numa nostalgia cíclica, choramos presentemente insatisfeitos
as lágrimas da vida. Talvez o princípio seja de fato a melhor fase dela por não
haver antes nada do que possamos nos lembrar. Durante o
seu decorrer perdemos alguns, ganhamos outros, permanece apenas o espírito da
família que há muitos anos atrás foi criada por quem hoje é velho e carrega nas rugas
o nascimento dos filhos, a infância dos netos, o desprazer dos cônjuges. Os
sofrimentos da estirpe, os seus próprios e os pêsames da aliança que proveio do esposo
um velho feliz, dono hoje da saudosa noção de que a vida segue e tem de ser
seguida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário