domingo, 22 de abril de 2012

R.G.A., 3ª da série

 Estive revendo os últimos comentários feitos no blog. Me chamaram atenção, no texto do Gabriel que fala sobre seu momento de epifania nas cataratas do Iguaçu, alguns que me fizeram pensar. Discutir religião e afins não costuma ser uma boa opção, mas quem se importa?

 O ponto de partida foi o Gabriel sendo tocado por Deus no mirante, vendo uma cachoeira. O que induziu o tema: elementos grandiosos da natureza, ou grandes fenômenos naturais, como já comentou em outra ocasião, servindo como prova de Sua existência. Que por serem bastante simples, foram substituídos por coisas mais complexas e elementares na evolução do raciocínio: a alta complexidade e falta de conhecimento sobre determinados elementos principais do ser humano, da vida, do universo, servindo como prova de Sua existência. Aliás, "provas inexoráveis que a ciência tanto acusa as religiões de não possuírem", segundo Gabriel. É nesse ponto que eu sou obrigado a interferir. Sob meu ponto de vista, algo por si só não serve de prova, muito menos inexorável, tanto para as teorias religiosas quanto científicas. O princípio de que o universo, o mundo, o cérebro humano, a célula, o átomo são complexos demais para terem sido criados por acaso é completamente inválido.

 A origem do universo é desconhecida. Existem centenas de teorias que a tentam explicar, porém nenhuma delas é provada. Acho que as leis da física, a estrutura dos átomos, a vida, sempre serão os maiores mistérios de todos. Acho inclusive uma pretensão imensa pensar que tem a resposta para qualquer uma dessas perguntas. Deus. Deus explica qualquer questionamento sobre a existência. Deus aniquila a filosofia. Apesar de que Deus é um conceito muito amplo. Para deixar claro, eu estou falando daquele onisciente, onipotente, onipresente que criou o mundo. Bem, vou discutir logo os pontos principais.

 A prova da existência de Deus através da complexidade do ser humano, da vida, dos ecossistemas e afins.
Muito se fala do cérebro humano como se fosse impossível ser fruto do acaso, e que só um ser divino, perfeito, oni-tudo poderia criá-lo. Eu penso que ele é fruto de dois bilhões de anos de evolução. Que ele veio do cérebro menos desenvolvido do macaco, que veio do menos desenvolvido de um mamífero longínquo, que veio do menos desenvolvido de um réptil, que veio do menos desenvolvido de um anfíbio, que veio do menos desenvolvido de um peixe, até que chegamos aos seres unicelulares, desprovidos de cérebro. Aí entra o argumento: "Qual é a chance de evoluir exatamente da maneira que condiciona todas as capacidades e a complexidade do nosso cérebro? Alguém no mínimo teve que intervir." A chance de acontecer uma mutação aleatória que torne um indivíduo mais apto para a sua sobrevivência, e que ele consiga passar essa característica adiante é ridiculamente mínima, porém, como eu disse, tivemos dois bilhões de anos desde o surgimento da vida para conseguir isso. De 0,1% em 0,1% de probabilidade ao longo do devido tempo, podem-se construir as formas mais complexas de vida. Me parece totalmente plausível.

 A prova da existência de Deus através da existência da vida.
"Porque é impossível que a vida se crie sozinha, por acaso." De novo, tivemos 2,5 bilhões de anos desde o surgimento da Terra até o surgimento da vida, nos quais zilhões de átomos e moléculas se combinaram de zilhões de formas diferentes, tornando, para mim, completamente possível o surgimento de material genético. E convenhamos que a forma mais simples de vida que acreditamos ter existido, eu diria uma bolota com genes dentro, não é algo muito difícil de se conseguir.

 A grande questão é que qualquer teoria científica, inclusive a Evolução e o Big Bang, que são aqui relevantes, é formulada com base em inúmeros dados, números, pesquisas, estatísticas, sobre os quais são tiradas conclusões lógicas. Porque existe um abismo gigantesco de evidências que separa uma teoria aceita em quase todo o meio científico de um idiota falando besteira. E falar besteira é muito fácil. Não digo que é o caso, mas não consigo ver sentido em passar da observação direto para a conclusão, pulando a parte das hipóteses, coleta de dados, testes e tudo mais. "O cérebro é complexo, logo Deus criou o mundo", "O comportamento físico do elétron é contraditório e desconhecido, logo Deus criou o mundo", "A cachoeira é grande e faz barulho, logo Deus criou o mundo" (né, Gabriel?) pra mim são frases absolutamente sem sentido, e elas descrevem exatamente o que me parece quando me falam sobre provar que Deus existe. 

 Aliás, eu acho conveniente inverter esse argumento da complexidade. Eu acho que tudo é complexo demais pra ter sido criado. Faz mais sentido pensar que o mundo e a vida como conhecemos foram lapidados ao longo do tempo, pouco a pouco, detalhe por detalhe, e gradativamente formaram essa obra de arte que nos cerca, do que pensar que alguém muito foda estalou os dedos e criou o universo. É como uma pintura não ter sido pintada, uma música não ter sido composta, um prédio não ter sido erguido, simplesmente ficarem prontos.

 Para finalizar, deixo claro que tenho consciência de que, igualmente, as teorias citadas não em prova, só fazem mais sentido para mim, e de que os dados são muito imprecisos, existem muitas especulações diferentes sobre a idade da Terra e o surgimento da vida. Também entendo que Deus, ou alguma Força sobrenatural podem ser vistos de muitas formas diferentes, e talvez eu tenha puxado para a que mais me foi conveniente, ou a que mais contradizia com o que estava tentando dizer, a fim de reforçar meu argumento, o que pode até ser contraditório, pois posso ter tratado de Deus sob pontos de vista diferentes ao longo do texto, e por isso me desculpo. Só espero que tenha dado para entender.

domingo, 8 de abril de 2012

Que é pro mundo ficar Odara


Num domingo público, Marcos sentou num banco chuvoso da General Osório. A praça estava vazia, eram Marcos, uns poucos mendigos e umas pombas gordas. Ele desenterrou um cigarro do decote e o acendeu com um dos fósforos da caixinha que trazia na minúscula bolsa dourada. Mal chagara às cinco da manhã, e já não era mais Odara. Odara havia ficado na noite, onde ele sempre a encontrava, deleitada no direito da imaginação, desnorteando a realidade. Agora restavam-lhe apenas o forte batom borrado que lhe irritava os lábios, a vulgar meia-calça rasgada há tempos, um orgulho pouco e o gênero que carregara a vida inteira. Marcos já sacava o segundo cigarro quando percebeu uma mulher indo trabalhar. Levava uma sobrinha e uma mochila pendurada nas costas. Vestia roupas simples, e apesar dos culotes salientes e dos seios pequenos era uma moça bonita, de cabelos fartos e feminilidade importante. Marcos pousara sem perceber as corajosas mãos nos peitos caros. Brotou-lhe então dos olhos desbotados, que ainda fitavam a moça, uma lágrima carente. Uma pétala de vontade que exibia aos pedintes e aos pássaros um estranho evidente, um desorganizado sentado na garoa de Ipanema que havia sempre na vida procurado a ausência do poder que lhe era justamente muito presente. Quando a menina sumiu numa esquina, Marcos enxugou como um homem a gota do rosto maquiado, empréstimo de Odara, e se levantou do banco, acendendo por fim o terceiro cigarro. Bruta flor do querer, de expediente terminado,  foi pra casa cambaleando sobre os saltos finos. 

domingo, 1 de abril de 2012

o gergelim de domingo


Pobre Caio, não conseguia mais escrever. Tinha a caneta e o papel, mas faltava-lhe a força nos dedos. No mundo a coisa que lhe dava mais prazer era agora aquilo do que justamente era privado: o prazer da manifestação. Um pequeno refúgio dos homens no qual não era mais gado. Não era enganado e contava a verdade aos outros. Onde o despudor era palpável. Onde o poder era entusiasmo, com que se fazia prodígio. Onde a excitação, que por mais que presente apenas no ato, era o alicerce de sua alegria e o gergelim de seu próprio ente. Mas tão simplesmente assim, escapara-lhe o dom. Deixara escapar. Extraviara o rosto debaixo da maquiagem que dava o cunho à atuação.  Sentia-se agora humilhado, com vergonha de si mesmo. Tornou-se ordinário e rotineiro. Covarde que era, prestava ao trabalho e aos querentes, preso na ignorância do Mundo, ciente de que o mundo na verdade não tem nome. Mas não de propósito, era apenas um coitado mudo. Às vezes ainda jogava-se ao mar e, sem atentar à sujeira, mergulhava fundo a cabeça na água. Ali ainda conseguia uns longos resquícios do que sentia falta. Na superfície do corpo uma indolência forçada. Era os restos apáticos de um rapaz feliz, boiando sozinho. Percebendo pelo dentro das ondas a pulsão criativa da natureza. Até que era obrigado a outra vez buscar no exterior o fôlego que não encontrava mais dentro de si.