segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A linda história de Rafael e Rafaela

Rafael era um merda na vida. Não o merda clichê que é desonesto e tira notas baixas. Ele ganhava bem e tal, só era meio escroto. Então era um merda. Como não podia ser diferente, um dia conheceu a menina. Rafaela. Só que comeu a irmã dela, só que ela nunca soube. Então não tem problema. Como não podia ser diferente, Rafaela era o oposto de Rafael, em muitos sentidos, com algumas exceções. O nome por exemplo. Rafael gostava de Led Zeppelin e Rafaela de Grand Funk Railroad. Certo dia Rafael disse "Led é melhor!", Rafaela respondeu "Não! Grand Funk é melhor!!". E não se falaram por sete dias e sete noites. Rafaela chorou e Rafael riu. Rafaela era pobre e queria a mordomia oferecida por Rafael, então voltou com ele. Rafael era mesmo escroto.

Passada a introdução aleatória, transformemos a história em uma função do tempo. Como não podia ser diferente, se conheceram na faculdade. Rafael era aquele das melhores notas e piores piadas. Rafaela era o contrário. Mas era bonita, então compensava as notas. O que conquistou mesmo Rafael foram as piadas. Foi só comentar "por acaso" sobre seu CR e chamar pra sair que foi fácil assim. Esperou-a fazer uma piada e pegou. Pegou e ficou. Namoraram logo depois (como não podia ser diferente). Seu CR caiu um décimo, isso prejudicou o relacionamento. Deu mais atenção aos estudos, e menos atenção às piadas. E ela pensava em se casar porque já não aguentava sua vida medíocre. Certo dia Rafaela disse "Vamos nos casar amor!", e Rafael "Adoro suas piadas amor!!". E não se falaram por sete dias e sete noites. Ele se deu conta de que sua vida era mais feliz rindo mais e transando com uma gostosa, então voltou com ela. Escroto. O dia em que se casaram foi tão feliz. Cada um atingindo seus interesses e confortos. Rafael podia se gabar para os amigos para sempre agora. Rafaela deu level up em sua conta bancária. O casal perfeito. E foram muitos felizes, apesar das diferenças (como não podia ser diferente). Apesar das brigas. Rafael comia brigadeiro, Rafaela palia italiana. Rafael escondia o biscoito de maisena. Rafaela enchia a dispensa. Um dia ela descobriu o esconderijo: debaixo da cama. Isso explicava os ratos e baratas que rondavam no quarto. Demorou sete dias e sete noites para limpar aquela podridão, e ainda deu-lhe um esporro. Ele não se abalou e deu-lhe um cartão de crédito. Problema resolvido.

Como todos sabemos, e não podia ser diferente, nada é para sempre. A ruína do casamento do casal feliz não se deu por causa das brigas. Foi pela convivência. Não pelos problemas trazidos por ela, mas sim pelas vantagens. Rafael lhe ensinou a ser determinada, focada, dedicada. Ela fez pós e conseguiu um bom emprego. Rafaela lhe ensinou a ser sociável, amigável, gentil e engraçado. E os dois pensavam: "Sendo rico e engraçado, o mundo é meu". E se aventuraram, cada um por si, a conquistar o mundo. Ambos de cabeça erguida e satisfeitos com a vida. Quem precisa de um casal perfeito, quando já se é perfeito por si só?



Agradeço a Gabriel por ter-me deixado copiar o nome do protagonista. E a ideia de escrever ficção. Mesmo que não lhe tenha pedido.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Debut Crônico

O relógio marca 5:23. Rafael esta acordado desde as 5:18. Deitado na cama tem o olhar azul turquesa espalmado no teto de seu apartamento comprado há exatamente oito anos atrás. A mesmice da sanca branca o perturba e ele pensa, pela quarta vez nos últimos sete meses, que gostaria de fazer uma reforma, talvez se mudar. A época – pensava – não poderia se mais adequada. Uma nova fase em sua vida clamava por um novo cenário. Seu diploma, ainda no cilindro azul com o símbolo da melhor universidade de economia de Londres exora pra ser enquadrado numa moldura cara e pendurado numa parede recém pintada. Diploma o qual teve muito uso para o dia de hoje. Olha novamente para o relógio. 5:32. Melhor levantar. Atravessa o espaço de sua cama ate o banheiro, único cômodo fechado em seu amplo loft de 200m², dos quais cada um guarda uma diferente lembrança de festas e reuniões que organizou ali. Era considerado dono do melhor point da cidade, onde todos se juntavam pra beber antes de sair a fora pela madrugada. Comemorara há pouco seus 28 anos naquela que fora considerada a melhor festa a que todos já haviam ido desde os tempos da faculdade. Ele molha o rosto moreno marcado por traços fortes e másculos que só agora começa a dar pequenos, mas charmosos, sinais da idade. Raspa então a pouca barba cerrada, e já levemente grisalha, que crescera nos últimos dias, e entra para o chuveiro. Não surpreendentemente Rafael não está nervoso. Tem a poucas horas de distância seu primeiro dia de emprego como consultor junior na sede londrina do Tribunal de Contas da União Européia. O emprego fora adquirido não diria facilmente, mas sem maiores complicações. Seu currículo era invejável, onde haviam listadas viagens freqüentes a diferentes países, formações nas instituições mais prestigiadas da Grã-Bretanha, estágios em empresas e bancos dentre os maiores da Europa, além de inúmeras cartas de recomendação por personalidades no ramo, algumas ganhadas por merecimento, outras por influência da família de importantes banqueiros ingleses. Sempre fora muito confiante, fazendo tudo sabendo que sempre dava o melhor de si. Rafael, a quem havia sido dado ignição pela mão poderosa do pai abastado, agora vivia do próprio dinheiro. Ganhava extremamente bem para um jovem de sua idade e via no futuro sua ascensão inevitável. Secou-se e dirigiu-se nu para o closet para vestir seu melhor terno Zegna. Enquanto se arrumava, admirava-se no grande espelho de seu quarto. Não era narcisista, apenas vaidoso. Seu porte atlético que se esticava até 1,85m de altura tinha sua base em musculosas pernas e era torneado em largos e potentes ombros e braços que adquirira nadando diariamente na piscina particular do prédio. A pele morena era natural da descendência espanhola. Deixava-lhe o corpo ainda mais belo e parecido com o de um modelo grego. Tomou seu café e em seguida checou as mensagens na secretária eletrônica. Duas. Uma de sua namorada Gia, que conhecera dois anos atrás em uma visita profissional à Glasgow. Conquistara a ela e a seu pai, então presidente do Royal Bank of Scotland, com o qual havia ido tratar de negócios. E gostava de admitir, havia sido conquistado também. Gia, como ele, era esbelta, elegante, inteligente, sofisticada e, para ele o mais importante, engajada a causas sociais. Ambos eram participantes ativos de projetos educacionais exemplos na Grã-Bretanha. Ambos também tinham o mesmo desgosto pelo preconceito alheio contra pessoas de suas classes sócias. Sentiam-se ofendidos quando pré-julgados como egoístas e esnobes apenas pelo fato de serem ricos. Eram, muito pelo contrário, extremamente generosos e dispostos a ajudar ações as quais consideravam nobres. Trabalhavam em um relacionamento a distância, mas com visitas freqüentes e apaixonantes. Acreditavam que dessa maneira não deixavam nunca a chama apagar. Eram completamente loucos um pelo outro e pensavam, talvez, num futuro distante, em casarem-se e construírem uma vida juntos, ao lado de seus amados. Após a mensagem de Gia, na qual ela avisava que estaria em Londres no final de semana seguinte, escutou a próxima, na qual o melhor amigo, Jeff, perguntava-lhe sobre uma questão econômica. Isso era de extremo agrado a Rafael. Seus melhores amigos, os de faculdade, com os quais seguia para o mesmo campus todos os dias, todos pediam-lhe, freqüentemente, opiniões sobre os mais diversos assuntos na sua área de atuação. Jeff era aquele com que Rafael tinha mais intimidade, encontrando-lhe quase todo o dia depois do trabalho no mesmo pub da cidade onde iam quando mais jovens. Jeff namorava uma amiga em comum deles, Martha, que depois veio a ficar amiga também de Gia, fato que proporcionava aos quatro jantares agradabilíssimos em caros restaurantes da capital ou mesmo na casa de Jeff, que cozinhava extremamente bem e entendia muito de vinhos. Pegou as chaves de seu carro esporte do ano, sua pasta e vestiu seu sobretudo para proteger-se da neve de janeiro. Deu uma última olhada para a vista chocante do rio Tâmisa que lhe era proporcionada todos os dias, fechou a porta pesada, trancou-a, e seguiu. Seguiu para seu sonho, seu sucesso, seu dinheiro, seu amor, sua vida que completava-se saborosamente aos poucos. Desceu as escadas do segundo andar e, de súbito, escorregou numa sobra de gelo trazida pelos sapatos dos vizinhos. Viu os degraus vindo em sua direção. Ou seria sua face indo em direção a eles? Não conseguiu discernir.

E então Rafael morre, e tudo do que havia desfrutado, tudo que havia concebido e tudo o que havia planejado para si mesmo desvanece-se e desaparece, para sempre, na aurora de sua vida.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Casual

Escrevo um pouco apressado. Em 6 horas tenho que estar pronto para viajar ao exterior, mas não queria desperdiçar a chance e pelo menos fazer um comentário sobre o assunto que no momento está fresco em minha cabeça e que no futuro pode ser aprofundado. Terminei ontem o livro “Um dia”, de David Nicholls. Cheguei em casa por volta da meia-noite e resolvi ler mais um capítulo mas acabei não conseguindo parar até que a história me oferecesse um final. Cheguei a ele em êxtase, me dando em conta que aquele era um daqueles livros que quando terminamos temos vontade de berrar “é MARAVILHOSO!!!”, simplesmente pela necessidade de contar para alguém o quão adoramos a leitura. São esses livros que me reafirmam meu amor pelas palavras e me incentivam a brincar com elas aqui no blog. São eles que me fazem não desistir, não do sonho, já que esse pode facilmente causar frustrações, mas do desejo de um dia escrever profissionalmente, para centenas, ou, diria talvez se fosse mais otimista, milhares. A história maravilhosa de um casal que se apaixona na juventude e tem suas vidas separadas pelo descorrimento de si mesmas é simplesmente cativante. O rumo completamente inesperado que nós podemos tomar é magistralmente expresso, a diferença do que esperávamos ser quando recém-formados e do que nos tornamos quando mais velhos. Acredito que é isso que me força a não acreditar no destino. E se estivermos reservados a uma existência enfadonha, sem encantos? E se esse for o nosso destino, inelutável? Não – penso – prefiro acreditar na sorte, nas circunstâncias, nos efeitos dos esforços, na determinação de nós mesmo. Na possibilidade de mudarmos seja lá o que for que nos espera por qualquer motivo. Essas são as exatas belezas da vida, sua imprevisibilidade e sua volatilidade. Seria desestimulante vivermos sob a sombra de um roteiro fixo, ao qual somos totalmente submissos e não temos nenhuma influência, marionetes do desígnio. Satisfaz-me mais a idéia do acaso, com todas suas hipóteses. É bem mais provável que o que nosso futuro seja menos brilhante do que aquele com que contamos. Mas gosto das chances que “provável” me oferece. São pelo menos melhores que as de “certeza”, que nos poderia brindar com o sucesso ou nos taxar com o fracasso, à própria vontade. Simpatizo com a noção de que tudo é praticável e que o destino, se insistem em acreditar em um, é moldável exclusivamente às nossas vontades e arbítrio, às nossas escolhas e ações. À nossa mercê.

Recomendo com imensa convicção essa leitura. Vale a pena!