Quando volto à metade de algo que já teve fim me pergunto,
por que começa? Quando ouvi pela primeira vez Lulu Santos dizendo que nada do que havia sido seria de novo do jeito em que um dia fora desliguei o rádio de onde
saía aquela vil profecia. Dizia que a música era pobre de letra e enjoativa de
melodia. A partir de então nunca fui muito com a cara de Lulu, cuja música
ecoava em minha cabeça toda vez que algo - ou alguém - importante para mim parecia começar a ser
levado pela correnteza, como uma onda no mar. O que não me ocorrera então era
que nascido Luiz Maurício Pragana dos Santos, no Rio de Janeiro, como eu, Lulu
era apenas mais um homem tentando expressar o que sentia e tinha certeza que
outros sentiam também. Lulu nasceu humano,
fato que lhe facultou, entre outras coisas a introspecção, a
consciência e a linguagem. Por isso, Lulu pôde interagir, não apenas com outros
Pragana dos Santos, mas com qualquer um que encontrou seu caminho. Nesses com quem se deparou durante sua existência estão os relacionados de sangue e alcunha,
mas mais particularmente os de carinho e afeição. Lulu teve amigos, teve
amantes. Lulu riu à falta de ar, odiou a raiva que lhe consumia o espírito e
energia, apanhou dos ciúmes que lhe amargaram o coração, confiou como herói sem
contrato, amou transcendente quem lhe fez capaz de emoção, não lhe importava
qual. Lulu foi pessoa por que teve de sê-lo. Não se sabe se preferia ter vindo à
Terra vaca. Talvez preferisse ruminar grama ao invés dos diversos sentimentos aos
quais foi servido. Todos os sentimentos dos quais é senhor e escravo, é descanso
e desejo, e que, pela mais traiçoeira das pirraças da vida, passam. Quer os
odeie, quer os ame, quer junto a eles ser constante, sua onda estoura e uma espuma
nostálgica se arrasta pela praia. Lulu nunca quis me magoar. Ele era apenas o aviso da espécie que dizia que por mais ricos de sensações que todos somos, nunca seremos de novo do
jeito que já fomos um dia. Lulu era gente que, como eu e você, queria boiar pra
sempre na crista da onda, mas que acabou levando um caldo do mar.
Gabriel Abreu