Naquela tarde de que nunca me lembraria, deitei na
grama alheia. Estendi o lençol sobre o tapete da floresta, bem em cima das
plantinhas cujo nome não me lembro. Pousei o corpo lentamente sobre a toalha e
senti o meu peso maltratar a natureza. Enquanto o chão moldava a minha
silhueta, me sentia observado. Sentia os habitantes locais percebendo a minha
presença, desconfiados do corpo estranho que aparecera sobrenaturalmente. Eu
era evitado, tudo acontecia em torno de mim, sem que eu participasse. Mas com o
passar dos minutos e o transcorrer do sol, eu passei também a ser parte da
natureza, simples unidade da vida no jardim. Os besouros, as abelhas, as
formigas, as libélulas, agora ninguém mas parecia me perceber, eu era apenas um
tronco contra o qual um alguém distraído voava dez vez em quando. Nunca foi tão
bom ser ignorado. O estranho virara comum, o antigo se adaptou ao novo, talvez
até sem perceber, mas se adaptou rapidamente. E eu fui o único que senti a
mudança. É incrível – pensei naquela tarde – como nós somos a única parte da
fauna que não nos adaptamos ao novo, digo ao verdadeiramente novo, ao
sobrenatural. Não estamos no topo da cadeia, mas sim dentro dela, tacanhos.
Cada dia que passa nos tornamos mais e mais parte dela, me sinto apenas mais
uma barra nas grades da cela. Somos penitenciários do pudor, sentimento que só
nós, animais humanos, sentimos. Uma girafa nunca se sentiu envergonhada, o
porco nunca ficou sem graça. E muito
menos os insetos do jardim tiveram o rosto em rubor porque sem querer
esbarraram em mim. É bem verdade que não pediram desculpas, mas quem tem tempo
pra desculpas quando se há por todos os lados flores a polinizar. Passei a
tarde inteira naquela grama, lisonjeado pelo flerte dos insetos, com ciúmes
apenas das margaridas, a quem eles davam mais atenção.
Gabriel Abreu