quarta-feira, 17 de abril de 2013

Dama no armário



Se escrevo tenho que buscar a máquina no fundo esquecido do armário, o peso sempre maior que o da memória. Apoio-a numa mesa que não mais a recebe como antes, não é mais tão bem-vinda. Ficam fora de contexto as partes descomunais, o tamanho grita excesso e a máquina, que teve sempre sua glória, fica um pouco  envergonhada. Mas não perde a majestade. Funciona à eletricidade e por isso enquanto não é datilografada, faz um ruído de reclame: “Cadê? Não vem nada?”. Manifestam-se umas teclas e outras letras, mas logo predomina de novo o silêncio maquinário, todas as peças já cientes do fracasso. Fica ali, velha e importante, rainha de outros textos, barulhando na mesma busca minha. Minha máquina suplica e eu não posso ajudar. Admito a decepção e finalmente a máquina volta pro armário, no canto óbvio de que sempre se esquece, juntando poeira e amargura, minha única dama de ferro.

Gabriel Abreu

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