Se escrevo tenho que buscar a máquina no fundo
esquecido do armário, o peso sempre maior que o da memória. Apoio-a numa mesa
que não mais a recebe como antes, não é mais tão bem-vinda. Ficam fora de
contexto as partes descomunais, o tamanho grita excesso e a máquina, que teve
sempre sua glória, fica um pouco envergonhada. Mas não perde a majestade.
Funciona à eletricidade e por isso enquanto não é datilografada, faz um ruído
de reclame: “Cadê? Não vem nada?”. Manifestam-se umas teclas e outras letras,
mas logo predomina de novo o silêncio maquinário, todas as peças já cientes do
fracasso. Fica ali, velha e importante, rainha de outros textos, barulhando na
mesma busca minha. Minha máquina suplica e eu não posso ajudar. Admito a
decepção e finalmente a máquina volta pro armário, no canto óbvio de que sempre
se esquece, juntando poeira e amargura, minha única dama de ferro.
Gabriel Abreu
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