Quando eu era mais jovem meu pai
costumava me levar ao cinema todos os domingos. Depois de um almoço de família
cerimonioso voltávamos pra casa e meu pai nos obrigava a escovar os dentes.
Subíamos as escadas em direção a nossos quartos e antes mesmo de chegar ao
segundo andar ouvíamos seu berro da sala de jantar – “Gabriel, Amanda, escovar
os dentes!”, nossa esforçada malícia em vão já que não havia nenhuma chance de
disfarçar a evasiva às obrigações. A higiene bucal sempre veio em primeiro
lugar e hoje sei que àqueles berros de domingo devo o meu sorriso. Meu pai
então me chamava e, ainda mal tendo chegado em casa, saímos para o shopping –
onde na Barra da Tijuca se vai ao cinema. Ele nunca em sua vida entrou em um
website para ver o que estava em cartaz. Os domingos sempre começavam de manhã
cedo com o café, quando depois do jornal diário ele abria a Veja Rio e ia
direto às páginas que listavam em letras minúsculas todos os filmes em exibição
na cidade. Procurava pelo nosso bairro, pelo nosso cinema favorito e depois lia
as descrições de cada título, circulando com uma caneta azul aqueles que o
interessavam. Meu pai sempre foi antiquado e metódico, características de sua
personalidade de que mais gosto. Seguíamos ao local escolhido, geralmente o
mesmo, que aqui prefiro não revelar, é muito pessoal. Íamos apenas eu e ele.
Minha mãe e minha irmã nunca deixaram de ser convidadas, mas na cultura de
nossa família a tradição era apenas nossa, dos homens. Meu pai sempre escolhia
um filme “cabeça”. As tramas internacionais eram o que mais se via em nosso
repertório, geralmente incluindo crimes políticos resultando em tiroteios. Meu
pai nunca me levou para assistir um filme dublado. Às vezes não conseguia
seguir o enredo, às vezes me perdia em uma das falas, e inevitavelmente ficava
de fora da maioria do humor, cuja ironia meu conhecimento de mundo ainda não
era suficiente para entender. Mas nada me dava mais prazer que ouvir a
gargalhada volumosa de meu pai e eu acabava rindo também, em parte para fingir
que entendia a piada, em parte apenas para rir junto com ele. Muitas das vezes
eu era o mais jovem na sala do cinema, mas foram ali as primeiras vezes que eu
me senti adulto. No silêncio do escuro meu pai sentava ao meu lado e
conversávamos sobre minha semana na escola antes dos trailers e ele ali era a
pessoa mais inteligente que eu conhecia. Nossas idas ao cinema aos domingos
eram parte de minha rotina, mas para mim sempre foi claro o valor daquelas
nossas tardes. Meu pai nunca foi como os pais que levavam seus filhos à praia,
ou que jogavam futebol com eles, nunca foi como os pais que sentavam no chão
para brincar. Mas naquelas tardes em salas quase vazias de cinema, dividindo um
grande saco de pipoca em um silencio reconfortante, eu solenizava a minha
figura paterna. Aquele era meu pai, como nenhum outro. Aquele nosso costume resultou
em uma paixão e hoje mantenho o mesmo hábito. No entanto, há anos que não vou
ver um filme com ele no cinema, mas da próxima vez que estivermos juntos irei
sugerir o programa. Iremos num domingo de sol, só eu e ele, ao mesmo cinema de
nosso passado. Compraremos pipoca e discutiremos algo trivial antes dos
comerciais. Escolherei o filme mais complexo em cartaz e entenderei toda
história. Poderei rir genuinamente das piadas, mas sei ainda assim que parte da
graça estará apenas em dividir gargalhadas com meu velho companheiro.
Gabriel Abreu