segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Debut Crônico

O relógio marca 5:23. Rafael esta acordado desde as 5:18. Deitado na cama tem o olhar azul turquesa espalmado no teto de seu apartamento comprado há exatamente oito anos atrás. A mesmice da sanca branca o perturba e ele pensa, pela quarta vez nos últimos sete meses, que gostaria de fazer uma reforma, talvez se mudar. A época – pensava – não poderia se mais adequada. Uma nova fase em sua vida clamava por um novo cenário. Seu diploma, ainda no cilindro azul com o símbolo da melhor universidade de economia de Londres exora pra ser enquadrado numa moldura cara e pendurado numa parede recém pintada. Diploma o qual teve muito uso para o dia de hoje. Olha novamente para o relógio. 5:32. Melhor levantar. Atravessa o espaço de sua cama ate o banheiro, único cômodo fechado em seu amplo loft de 200m², dos quais cada um guarda uma diferente lembrança de festas e reuniões que organizou ali. Era considerado dono do melhor point da cidade, onde todos se juntavam pra beber antes de sair a fora pela madrugada. Comemorara há pouco seus 28 anos naquela que fora considerada a melhor festa a que todos já haviam ido desde os tempos da faculdade. Ele molha o rosto moreno marcado por traços fortes e másculos que só agora começa a dar pequenos, mas charmosos, sinais da idade. Raspa então a pouca barba cerrada, e já levemente grisalha, que crescera nos últimos dias, e entra para o chuveiro. Não surpreendentemente Rafael não está nervoso. Tem a poucas horas de distância seu primeiro dia de emprego como consultor junior na sede londrina do Tribunal de Contas da União Européia. O emprego fora adquirido não diria facilmente, mas sem maiores complicações. Seu currículo era invejável, onde haviam listadas viagens freqüentes a diferentes países, formações nas instituições mais prestigiadas da Grã-Bretanha, estágios em empresas e bancos dentre os maiores da Europa, além de inúmeras cartas de recomendação por personalidades no ramo, algumas ganhadas por merecimento, outras por influência da família de importantes banqueiros ingleses. Sempre fora muito confiante, fazendo tudo sabendo que sempre dava o melhor de si. Rafael, a quem havia sido dado ignição pela mão poderosa do pai abastado, agora vivia do próprio dinheiro. Ganhava extremamente bem para um jovem de sua idade e via no futuro sua ascensão inevitável. Secou-se e dirigiu-se nu para o closet para vestir seu melhor terno Zegna. Enquanto se arrumava, admirava-se no grande espelho de seu quarto. Não era narcisista, apenas vaidoso. Seu porte atlético que se esticava até 1,85m de altura tinha sua base em musculosas pernas e era torneado em largos e potentes ombros e braços que adquirira nadando diariamente na piscina particular do prédio. A pele morena era natural da descendência espanhola. Deixava-lhe o corpo ainda mais belo e parecido com o de um modelo grego. Tomou seu café e em seguida checou as mensagens na secretária eletrônica. Duas. Uma de sua namorada Gia, que conhecera dois anos atrás em uma visita profissional à Glasgow. Conquistara a ela e a seu pai, então presidente do Royal Bank of Scotland, com o qual havia ido tratar de negócios. E gostava de admitir, havia sido conquistado também. Gia, como ele, era esbelta, elegante, inteligente, sofisticada e, para ele o mais importante, engajada a causas sociais. Ambos eram participantes ativos de projetos educacionais exemplos na Grã-Bretanha. Ambos também tinham o mesmo desgosto pelo preconceito alheio contra pessoas de suas classes sócias. Sentiam-se ofendidos quando pré-julgados como egoístas e esnobes apenas pelo fato de serem ricos. Eram, muito pelo contrário, extremamente generosos e dispostos a ajudar ações as quais consideravam nobres. Trabalhavam em um relacionamento a distância, mas com visitas freqüentes e apaixonantes. Acreditavam que dessa maneira não deixavam nunca a chama apagar. Eram completamente loucos um pelo outro e pensavam, talvez, num futuro distante, em casarem-se e construírem uma vida juntos, ao lado de seus amados. Após a mensagem de Gia, na qual ela avisava que estaria em Londres no final de semana seguinte, escutou a próxima, na qual o melhor amigo, Jeff, perguntava-lhe sobre uma questão econômica. Isso era de extremo agrado a Rafael. Seus melhores amigos, os de faculdade, com os quais seguia para o mesmo campus todos os dias, todos pediam-lhe, freqüentemente, opiniões sobre os mais diversos assuntos na sua área de atuação. Jeff era aquele com que Rafael tinha mais intimidade, encontrando-lhe quase todo o dia depois do trabalho no mesmo pub da cidade onde iam quando mais jovens. Jeff namorava uma amiga em comum deles, Martha, que depois veio a ficar amiga também de Gia, fato que proporcionava aos quatro jantares agradabilíssimos em caros restaurantes da capital ou mesmo na casa de Jeff, que cozinhava extremamente bem e entendia muito de vinhos. Pegou as chaves de seu carro esporte do ano, sua pasta e vestiu seu sobretudo para proteger-se da neve de janeiro. Deu uma última olhada para a vista chocante do rio Tâmisa que lhe era proporcionada todos os dias, fechou a porta pesada, trancou-a, e seguiu. Seguiu para seu sonho, seu sucesso, seu dinheiro, seu amor, sua vida que completava-se saborosamente aos poucos. Desceu as escadas do segundo andar e, de súbito, escorregou numa sobra de gelo trazida pelos sapatos dos vizinhos. Viu os degraus vindo em sua direção. Ou seria sua face indo em direção a eles? Não conseguiu discernir.

E então Rafael morre, e tudo do que havia desfrutado, tudo que havia concebido e tudo o que havia planejado para si mesmo desvanece-se e desaparece, para sempre, na aurora de sua vida.

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