domingo, 1 de abril de 2012

o gergelim de domingo


Pobre Caio, não conseguia mais escrever. Tinha a caneta e o papel, mas faltava-lhe a força nos dedos. No mundo a coisa que lhe dava mais prazer era agora aquilo do que justamente era privado: o prazer da manifestação. Um pequeno refúgio dos homens no qual não era mais gado. Não era enganado e contava a verdade aos outros. Onde o despudor era palpável. Onde o poder era entusiasmo, com que se fazia prodígio. Onde a excitação, que por mais que presente apenas no ato, era o alicerce de sua alegria e o gergelim de seu próprio ente. Mas tão simplesmente assim, escapara-lhe o dom. Deixara escapar. Extraviara o rosto debaixo da maquiagem que dava o cunho à atuação.  Sentia-se agora humilhado, com vergonha de si mesmo. Tornou-se ordinário e rotineiro. Covarde que era, prestava ao trabalho e aos querentes, preso na ignorância do Mundo, ciente de que o mundo na verdade não tem nome. Mas não de propósito, era apenas um coitado mudo. Às vezes ainda jogava-se ao mar e, sem atentar à sujeira, mergulhava fundo a cabeça na água. Ali ainda conseguia uns longos resquícios do que sentia falta. Na superfície do corpo uma indolência forçada. Era os restos apáticos de um rapaz feliz, boiando sozinho. Percebendo pelo dentro das ondas a pulsão criativa da natureza. Até que era obrigado a outra vez buscar no exterior o fôlego que não encontrava mais dentro de si.

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