sábado, 28 de setembro de 2013

prochain arrêt

Não percebi quando o casal entrou. Pararam bem na minha frente e quando olhei lá estavam de costas, apoiados no banco em frente ao meu. Ele tinha o cabelo moreno e curto e usava uma blusa com grandes listras verdes. Ela de vestido castanho, contrastando com o loiro dos longos cabelos que desciam pelos ombros. Num entrelaço de braços os dois se acomodaram e começaram a conversar. Falavam inglês, mas não alto o suficiente pra que eu discernisse o assunto. Só via as suas costas, mas eu sabia que o que ela dizia era sério. Discursava olhando a parede do vagão, mirando fixamente o aviso que proibia o fumo e a agressão física e verbal contra os fiscais do transporte. Não piscava, mas também não lia o que estava escrito, porque toda a sua concentração ia para o recado que agora dava ao homem, o recado mais importante da vida. Recado que dele recebia a mesma desatenção que a advertência sobre o fumo e os fiscais. Ele também estava concentrado, mas no rosto que não o fitava. Analisava cada curva, cada músculo em ação, cada poro magnífico. Num pequeno momento do dia, os dois esqueceram de si mesmos e existiam apenas um pelo outro. Os corpos já colados se apertaram ainda mais quando o vagão do metro encheu após ter parado na estação da rodoviária. Encheu mas continuava vazio. No descuido de um beijo o olho dela apareceu de relance, mas o êxtase foi momentâneo pois logo depois virou-se novamente. A barba era suja e a alça do sutiã lhe apertava demais, mas aquele era o casal mais incrível do mundo. Quando o sistema de som anunciou a próxima parada, para a minha desgraça, era a deles. Tentei fechar os olhos mas a tragédia não me deixou! Os dois viraram. De relance olharam pra mim, como se eu fosse uma outra placa de advertência sobre fumo e fiscais. Eles não eram mais interessantes. Não se amavam mais, não eram mais um casal, não eram mais nada. Eram um homem de barba e uma mulher de cabelos loiros que por um instante foram tudo pra mim.

Gabriel Abreu 

Nenhum comentário: