Não percebi
quando o casal entrou. Pararam bem na minha frente e quando olhei lá estavam de
costas, apoiados no banco em frente ao meu. Ele tinha o cabelo moreno e curto e
usava uma blusa com grandes listras verdes. Ela de vestido castanho,
contrastando com o loiro dos longos cabelos que desciam pelos ombros. Num
entrelaço de braços os dois se acomodaram e começaram a conversar. Falavam
inglês, mas não alto o suficiente pra que eu discernisse o assunto. Só via as
suas costas, mas eu sabia que o que ela dizia era sério. Discursava olhando a
parede do vagão, mirando fixamente o aviso que proibia o fumo e a agressão
física e verbal contra os fiscais do transporte. Não piscava, mas também não
lia o que estava escrito, porque toda a sua concentração ia para o recado que agora
dava ao homem, o recado mais importante da vida. Recado que dele recebia a
mesma desatenção que a advertência sobre o fumo e os fiscais. Ele também estava
concentrado, mas no rosto que não o fitava. Analisava cada curva, cada músculo
em ação, cada poro magnífico. Num pequeno momento do dia, os dois esqueceram de
si mesmos e existiam apenas um pelo outro. Os corpos já colados se apertaram
ainda mais quando o vagão do metro encheu após ter parado na estação da
rodoviária. Encheu mas continuava vazio. No descuido de um beijo o olho dela
apareceu de relance, mas o êxtase foi momentâneo pois logo depois virou-se
novamente. A barba era suja e a alça do sutiã lhe apertava demais, mas aquele
era o casal mais incrível do mundo. Quando o sistema de som anunciou a próxima
parada, para a minha desgraça, era a deles. Tentei fechar os olhos mas a
tragédia não me deixou! Os dois viraram. De relance olharam pra mim, como se eu
fosse uma outra placa de advertência sobre fumo e fiscais. Eles não eram mais
interessantes. Não se amavam mais, não eram mais um casal, não eram mais nada.
Eram um homem de barba e uma mulher de cabelos loiros que por um instante foram
tudo pra mim.
Gabriel Abreu
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