De antemão desculpo-me pelo aspecto descritivo do começo, mas achei necessário para o desenvolvimento do texto, para seu estilo de gradação.
Voltei a pouco de uma viajem a Foz do Iguaçu. Ficamos hospedados no parque nacional da cidade, com as cataratas (a parte que ao nosso país pertence) à vista do quarto do hotel. Também do hotel avistava-se logo à frente o solo argentino. A trilha das quedas brasileiras começava a apenas alguns metros do lobby principal e os próprios recepcionistas nos proviam de capas de chuva descartáveis para se proteger do vapor causado por um chuveiro com vazão de 1,4 milhões de litros de água por segundo. Os números de fato impressionam e a paisagem é bonita, mas confesso ter me decepcionado ao final da trilha. A magnitude do lugar não correspondeu às expectativas de um megalomaníaco ávido por ver algo grandioso. O Jet Lag foi logo compensado no dia seguinte por uma visita à hidrelétrica de Itaipu. A ansiedade por magnificência foi saciada pela suntuosidade de um milagre de concreto do tamanho de um prédio de 65 andares, com um escoamento (40 vezes maior que o das pobres cataratas) cuja força movimenta turbinas de aproximadamente 50 metros de diâmetro, processo que resulta em fios condutores de meio milhão de volts cada. Um Édem produtor de energia limpa. Saí farto.
O programa do dia seguinte era novamente uma visita às cataratas, dessa vez à Garganta do Diabo, maior queda de todo o conjunto (90 metros de altitude), localizada no território argentino. Achei que fosse novamente me desapontar com a desilusão, mas fui pela experiência de comer um chorizo dos hermanos. O restaurante era asqueroso. Depois da tentativa mal sucedida pegamos um trenzinho e fomos até o começo da trilha que levava até o mirante da queda. Na ida fui distraído. O cansaço do corpo gripado tirava a atenção dos olhos que miravam apenas a seqüência ininterrupta dos pés percorrendo a longa distância numa passarela sobre um rio calmo. Na volta, após o que descreverei, os olhos vigilantes captavam todos os aspectos da paisagem. Nunca havia percebido como o ambiente fluvial é agradável. Sereno, límpido, ameno, suave: todos os adjetivos possíveis que lembram um frescor renovador. O ruído da correnteza desviando nas cabeças das pedras acima do nível das águas desanuviou toda a fadiga e o descontentamento acumulados. Tudo isso foi possível pelo que vivi quando cheguei ao mirante. Ali, após passar pela última tenda de árvores presentes no percurso inteiro, cheguei ao meu clímax. À primeira epifania de minha vida. Todas as sobras de dúvidas e questionamentos sobre a existência de uma força superior sobrenatural que eu tinha foram convertendo-se em ruínas durante o tempo em que passei frente ao que posso considerar apenas como uma manifestação divina. O inesperado acentuou o sacro. A soberania sagrada estava expressa naquele poder, naquela força energética incessante. Essencialmente pura, em tudo, suas saliências, suas imperfeições, narrativa imaculada. Caio e sua doutrina que me perdoem, mas não existe a possibilidade de presenciar algo gozador de interpretação tão intrincada e prestar seu surgimento ao acaso. Não que seja partidário da ortodoxia, muito pelo contrário, acredito na forma de minha própria crença e na autenticidade de suas metamorfoses constantes. Mas a intervenção de algo completo e intangível em tal fato é evidente. Acho até que é tal imensidão de clareza que nos faz dúbios. Evidente também é o quão afortunado me senti mediante essa vivência. Eu existi um de meus versos musicais favoritos (de The Dog Days Are Over, Florence and The Machine): “Happiness hit her like a bullet in the mind”. A felicidade a atingiu como uma bala na mente. Na mente, no corpo, nos olhos, nos pêlos, na íntegra. Perplexamente feliz. Foi ali que senti, eminentemente sincero e magnânimo, o afago de deus. É nisso que creio.